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Foto do escritorAlexandra Luz

A "ameaça" da alimentação saudável


É um assunto sério aquele que me traz aqui hoje. A alimentação centra muito do nosso interesse (e energia!!) atualmente. A quantidade de conteúdos que preenchem as redes sociais sobre este tema é, para mim, absolutamente impressionante.

É um facto de que precisamos de nos alimentar para sobreviver, e também é outro facto de que uma alimentação saudável vai contribuir para ganhos em termos de saúde. Desde o verdadeiro início do nosso percurso alimentar (com o pontapé de saída na amamentação/aleitamento), vamos enquanto seres humanos criando uma “relação“ com os alimentos. E isto, inevitavelmente, tem as suas ramificações.

Algures ao longo deste caminho, algo que deixa em alerta, e já um pouco preocupada. Reforçamos constantemente a necessidade de uma alimentação equilibrada, porque assistimos a um aumento de complicações/doenças relacionadas também com hábitos alimentares menos saudáveis (de que são exemplos a obesidade, a diabetes, a hipertensão, a doença cardiovascular e cerebrovascular…). Batalhamos na necessidade de reduzir o sal, na redução dos açúcares adicionados, na diminuição das gorduras trans… e assistimos paralelamente a um aumento das receitas “light”, de fórmulas “low-carb”, de produtos “bio”, de soluções “high-protein”… numa exposição contínua, constante, repetitiva, e incontrolada.

A premissa será talvez a de que, se formos fiéis a esta alimentação, viveremos mais tempo, e com melhor qualidade de vida. Mas será isto mesmo assim? E qual é exactamente a altura em que este “desejo”, ou “interesse” numa alimentação saudável se torna numa obsessão? Quando é, que de repente, os alimentos passaram apenas a caber em duas únicas categorias - os “bons” alimentos, e os “maus” alimentos? Quando é que a nossa relação com a comida, em vez de se reger pelo prazer que a alimentação nos deve condicionar, passa a ser refém de uma rigidez que consome tempo, recursos, e energia? Afinal, onde está essa fronteira?

Como pediatra, tudo isto me preocupa. Preocupa-me que as mentes ainda em desenvolvimento das nossas crianças sejam expostas a esta obsessão, que vejo em alguns pais, em relação à alimentação, que o interiorizem, e posteriormente repitam este mesmo comportamento ainda na infância, na adolescência, ou já na fase adulta. Serão sem dúvida pais bem intencionados aqueles que procuram restringir o consumo de açúcar pelos seus filhos, bem como evitar a ingestão de alimentos processados - mas quão perto está isto, quão difícil é de passar aquela linha fina que vai instilar um verdadeiro medo nos nossos pequenos, de que há comidas más, e de que nos podem acontecer coisas horríveis se as comermos?

O que acontece é que existe um termo médico para isto - ortorexia. Define-se como uma situação em que comer de forma saudável se torna uma obsessão. E com esta obsessão, lança-se uma verdadeira espiral de restrições, que levam a mais restrições, um caminho que pode condicionar desequilíbrios e carências nutricionais de diversas ordens. E, quiçá, a um desvio para ainda outros problemas do comportamento alimentar, tal como a anorexia ou bulimia. Não menos preocupante é assistirmos já a situações em que crianças pequenas negam determinados alimentos porque “lhes fazem mal”, ou porque “engordam”. É esta a consciência alimentar que queremos que os nossos filhos tenham? Ou, ao invés, a de que todos os alimentos são igualmente bons, dentro da moderação adequada a cada um deles? Mais do que alimentos saudáveis, ou não saudáveis, se calhar o que precisamos de ensinar aos nossos filhos é como alimentar-se de uma forma responsável, intuitiva, e isenta de culpa. Parar por completo com a categorização dos alimentos em “bons” ou “maus”, que fazem “bem” ou fazem “mal”, e instituir a ideia de que tudo tem o seu papel na nossa alimentação, na quantidade e frequência adequadas. Deixem-me concretizar, isto é tão simples como dizer que as batatas fritas têm tanto lugar numa alimentação saudável como uma salada de legumes, embora em proporções diferentes!

Sei que a pressão atual torna isto difÍcil, porque eu também vejo os conteúdos que me surgem diariamente nas redes, carregados de imagens com um marketing tremendo. Mas convido-vos a pelo menos refletir no que escrevi, e a analisar em consciência o papel que queremos que a alimentação desempenhe na saúde de cada um de nós, e principalmente na dos nossos filhos. Conseguiremos encontrar o ponto de equilíbrio? Pela saúde de todos (e nisto incluo também a saúde mental), espero que sim.

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