Esta semana, ao contrário das anteriores, não fiz nenhuma partilha das dicas da Pediatra. Não porque "não tive tempo" (hoje em dia é tão comum não termos "tempo para nada") mas porque um evento de muita importância do ponto de vista pessoal teve lugar nesta mesma semana. Há 8 anos atrás nasceu o meu primeiro filho. Há 8 anos atrás, a minha vida mudou completamente. Sim, sou pediatra, já assisti ao nascimento de centenas de bebés, já passei pela experiência de dar esta notícia e assistir (e partilhar um pouco) da felicidade de uma família, mas também já experienciei ter de dar más notícias, e partilhar a dor que se vê nos olhos de um casal que ansiava por um filho saudável no seio da sua família. Nunca fugi nem de uma situação, nem da outra. Porque fazia parte do meu trabalho, mas também porque "pensava" saber como seriam estas experiências. Há oito anos calhou-me a mim. O meu filho mais velho resolveu ser apressado, penso que estava farto de estar "confinado" (esta palavra nos dias atuais ganhou outra perspetiva, não foi?) a um mundo tão pequenino como o da minha barriga. E veio cá fora conhecer o mundo. Não foi um parto fácil, não estava (lá dizia a minha excelente obstetra) na posição mais fácil para nascer (sim , ele sempre foi um rapaz um pouco atravessado), pelo que na fase final do parto já não havia tempo a perder. O coração dele começou a não gostar muito destas tropelias e pronto, lá veio o rapaz com uma ventosa, tinha o cordão umbilical á volta do pescoço (o que denominamos de uma circular cervical) mas chegou aos meus braços. Quando olhei para aquele ser pequenino e cabeludo (tinha muito cabelo ele, quando nasceu), já não era a pediatra preocupada com as "desacelerações" (é assim que a gente chama quando o ritmo do coração do bebé começa a diminuir durante o parto). Era uma mãe. Simplesmente uma mãe. Uma mãe que olhava para aqueles dedos perfeitinhos, para aqueles olhos bem abertos, e que percebeu naquele instante que a vida nos traz outros propósitos, e nos vai ensinando a ser humanos, e que eu nunca mais ia ser a mesma. Portanto agora era pediatra, esposa, mulher, e finalmente mãe. Anteriormente não estava bem segura da ordem destas designações, mas naquele momento soube. Era primeiro mãe. Uma mãe que tal como tantas outras tinha passado por momentos de angústia (apesar de confiar sempre nos profissionais que me seguiram) durante o parto, mas em que tivemos a felicidade de tudo correr bem. Chegaram depois as visitas (bons tempos esses, em que ainda havia visitas...). Só a família chegada, nunca fui apologista das romarias para "adorar o bebé". Uma mãe precisa de descansar depois do parto, um bebé recém-nascido também precisa de tempo e espaço para conhecer uma nova realidade, e a família nuclear vincular ao bebé sem ter de ouvir "ai é tão parecido com o pai", ou "tem tanto cabelo como tu quando nasceste". Há tempo para isso mais tarde.
Portanto, este foi o marco pessoal que mais marcou a minha vida profissional, curiosamente. Já tinha finalmente passado pela experiência, e já compreendia melhor o que me diziam as mães. Os primeiros 3 meses não foram fáceis. Passámos por tudo o que eu já tinha "explicado" às mães dos bebés por mim acompanhados. Pela incerteza de ter leite suficiente para amamentar o meu bebé, pelas cólicas que o deixavam a chorar durante horas a fio, sem acalmar (e depois, conflito pediatra mãe - está doente? Não está, está a mamar bem... mas está a chorar tanto... tem a fralda suja, não tem... terá alguma dor?... já fez cocó hoje... não, se calhar é isso...). Lembro-me perfeitamente de uma noite em que decidimos que ele tinha de começar a adormecer no berço (ele era daqueles que só dormia embalado ou à mama, e depois com pezinhos de lã lá íamos colocar no berço, e parecia que a cama tinha picos, começava logo a chorar) e de estar na cozinha, com o pai, enquanto ele chorava no berço. E a minha vontade de mãe era ir a correr - novo conflito Pediatra-mãe. A pediatra dizia, dá-lhe mais uns minutos, não o estás a abandonar na cama, mas ensina-lhe que é lá que ele tem de dormir. E lá fomos navegando entre estes conflitos, e surpreendentemente a coisa até correu muito bem.
Cerca de 3 anos mais tarde, resolvemos passar pela experiência de lhe dar um irmão. E então fui mãe duplamente, sendo que este segundo parto foi muito mais fácil, felizmente.
Os meus filhos foram crescendo com dois pais médicos, e durante algum tempo tive dificuldade em conciliar todos estes papéis (mulher, mãe e esposa), muito também pela vida profissional a que uma carreira hospitalar obriga (turnos de 24h em que a mãe sai de casa num dia, e só volta no dia a seguir, a preocupação que se traz para casa quando vemos uma criança durante o dia com quem ficamos preocupados, ou quando num serviço de urgência, nos casos mais graves, as crianças morrem, e temos de dar esta notícia aos pais. Lembro-me de estar grávida de 24 semanas, num serviço de urgência em que entrou uma criança que veio a falecer, e ao dar esta notícia, de ver a dor dilacerar os pais à minha frente. Não há nada pior que isto. Porque no dia em que um Pediatra ou algum médico dá esta notícia sem chorar (fizemos tudo bem? poderíamos ter feito mais alguma coisa?) é o dia em que deve deixar de ser médico.
Há cerca de 2 anos atrás tomei uma outra decisão, muito importante. O trabalho não mais seria colocado acima da minha família. O trabalho não mais roubaria o tempo que eu lhes devia, e com muitos juros. Foi uma mudança difícil, como todas as mudanças o são. Mas fi-la com plena consciência. E a vida mudou mesmo. A partir dessa data já podia deitar sempre os meus filhos e estar com eles ao levantar, já os podia levar à escola, e pasmem-se, até tinha tempo para fazer chapéus no dia do chapéu na escola (já não precisava de os comprar feitos), fazer um bolo para as antigas "vendas" da escola, participar nas festas de Natal e de Carnaval (nos desfiles). Encontrei-me. Encontrei a mãe, melhorei a Pediatra, e senti-me mais esposa e mulher.
Portanto, hoje, no dia em que festejamos os 8 anos do nosso filho mais velho, no contexto de pandemia que vivemos e que testa diariamente os nossos limites só posso deixar estas dicas da Pediatra... sejam felizes... não tenham medo das mudanças. E parabéns, filho. Amo-te muito!
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