Bem-vindos ao mundo da tecnologia digital. Estamos presos a ela, para o melhor e para o pior, e já está na hora de deixarmos de culpar o papão da tecnologia por todo o mal existente no mundo e arredores, e enfrentarmos as nossas responsabilidades enquanto pais de uma geração que nasce e cresce com esta tecnologia a toda a sua volta. A informação e o conhecimento são as nossas melhores armas, e eu estou aqui convosco exatamente nesse sentido, para vos ajudar na tomada de melhores decisões no que diz respeito ao uso (e não abuso...) deste tipo de tecnologia. E ao longo deste artigo, vou procurar dar-vos ferramentas práticas para usarem no controlo digital.
Antes de mais, não lancem pedras se têm telhados de vidro. Pensem no uso que fazem do vosso telemóvel, da televisão, dos computadores, e reflitam no exemplo que dão aos vossos filhos. Para criarem (ou mudarem) hábitos digitais saudáveis, o primeiro passo é terem vocês mesmo hábitos saudáveis, não vale a pena iludirem-se nesse sentido. Todos sabemos que as crianças seguem mais facilmente o nosso exemplo do que as nossas palavras, e isso é válido para todos os domínios das nossas vidas, bem mais do que simplesmente para a tecnologia.
Em primeiro lugar, eu queria deixar bem claro que uma tecnologia, seja ela qual for, não é inerentemente boa nem má, mas simplesmente reflexo do uso que lhe é dada. E é com este pressuposto em mente que parto para o ponto essencial, que é – Porque é que é tão importante controlarmos o uso da tecnologia digital pelas crianças e adolescentes?
1. O excesso no uso da tecnologia digital pode afetar o desenvolvimento cognitivo, a saúde física, e a socialização e desenvolvimento emocional na infância.
Vários itens contribuem para isto. O uso de dispositivos digitais envolve muitas vezes fazer multitarefas e mudança rápida de foco, diminuindo a capacidade de manter a atenção numa única tarefa. Parece ainda que quanto mais pequena a criança, maior a interferência dos ecrãs com o desenvolvimento de áreas cerebrais responsáveis pela atenção e autorregulação. A retenção de informação do ecrã parece igualmente não ser tão eficaz como através da leitura e escrita, principalmente a longo prazo.
Em termos de saúde física, podemos falar do aumento de problemas oftalmológicos como a miopia, problemas de postura e diminuição da atividade física. E não esqueçamos que interagir com ecrãs não é nada como interagir com outras crianças, outras pessoas, e pode ter real impacto na capacidade de criar empatia com o outro.
2. Uma forma de controlar o uso de tecnologia digital é limitar o tempo de uso.
É um facto. Limitar o tempo de uso é provavelmente o recurso mais usado pelos pais, mas nem sempre é a melhor forma. Isto porque o tempo, por si só, não é medida da qualidade do que se faz no mundo digital. Pensem bem, não faz sentido limitar o tempo que uma criança tem de pesquisar na web sobre a Primeira Guerra Mundial, ou sobre a revolução do 5 de outubro. Mas a facilidade com que uma criança transita para o separador seguinte do Youtube e se coloca a ver vídeos que prosseguem ininterruptamente é assustadora.
De uma forma geral, podemos dizer que abaixo dos 18 meses - 2 anos a recomendação é evitar o máximo possível os ecrãs. Mas a fazê-lo, ainda assim é melhor partilhar a atenção da criança do que o ecrã funcionar como uma simples ama de meninos, para eles ficarem ali quietinhos enquanto o adulto faz alguma coisa. Isto é, exemplificando, é muito melhor sentarem-se ao lado da criança e chamarem a atenção para o que se está a passar no ecrã da televisão (“olha, já viste que está ali uma borboleta amarela?”), do que simplesmente carregarem no botão para ligar num qualquer canal de bonecos. Fora desta equação estão também as videochamadas, que podem permitir o contacto dos mais pequenos com familiares.
Para crianças maiores, e adolescentes, é boa política adotar a regra das zonas livres de tecnologia. Quartos, por exemplo, devem ser zonas livres de tecnologia. Idealmente a sala de jantar também. E isto vale para vocês também, pais.
Foque-se na qualidade, e não na quantidade. Seja firme com limites bem estabelecidos de que o tempo no digital não pode “roubar” tempo dos trabalhos de casa, ou de tarefas familiares, ou de atividades extracurriculares. Incentive pausas regulares e o uso de ecrãs de maiores dimensões, em locais bem iluminados e evitando a exposição próxima, para diminuir o cansaço e efeitos a nível ocular. Demarque bem a rotina do dormir do uso da tecnologia – idealmente as crianças e os adolescentes (e deverei também dizer, os adultos?) não deviam estar expostos a ecrãs na hora antes do adormecer.
Lembre-se igualmente de que simplesmente limitar o tempo em que os seus filhos estão “ligados” ao ecrã não lhes vai dar alternativas mais saudáveis. Não chega dizer “pára de jogar e faz qualquer coisa de útil”, ou “desliga isso e vai fazer outra coisa”. Não é que eles vão desatar a praticar exercício físico ou a ler livros de aventuras. Dê-lhes alternativas concretas. Habitue-os desde cedo a fazer desporto, a jogar jogos de tabuleiro, a passar tempo na rua, a pintar com aguarelas. Limite o seu próprio tempo de tecnologia, dê o exemplo, leia, pratique desporto. Não fale da boca para fora, não há ninguém mais esperto do que os miúdos para detetar esse tipo de situações.
3. Preocupe-se com o conteúdo utilizado pelos seus filhos
Para crianças, saiba escolher conteúdos educacionais. Se vão ter de usar em alguma altura da vida ecrãs, vamos escolher conteúdos que as possam efetivamente ajudar em algumas competências (e ao mesmo tempo evitamos conteúdos que possam ser, no mínimo, indiferentes). Às vezes o problema dos pais é como garantir que estes conteúdos sejam efetivamente educacionais, mas há algumas estratégias. No Google Play, na Play Store, quando acedemos aos jogos podemos selecionar “crianças”, e todas as aplicações nesta secção são aprovadas por educadores/professores. Existe um guia parental para o Google Play, que podem usar, e tem dicas muito importantes.
Prefira aplicações próprias para a idade. Em vez do Youtube, para crianças mais pequenas há o Youtube kids. Não é perfeito, mas os conteúdos estão desenhados para proteger os mais novos, reduzindo o risco de se depararem com material inadequado, como linguagem inapropriada, violência, ou conteúdo para adultos. Também permite uma melhor aplicação do controlo parental, com limitação do tempo de ecrã. Tem menos anúncios, e o marketing é geralmente mais adequado e não direcionado com base nos dados de navegação.
Saiba sempre o que os seus filhos estão a ver, a jogar, ou que aplicações estão a usar. Assista ou jogue mesmo com os seus filhos, mostre interesse e discuta o conteúdo do que ele está a ver. Explique como funcionam as “recomendações” de visualização, que direcionam o utilizador para conteúdos que podem ser mais alinhados com os seus interesses, mas por outro lado podem limitar a experiência e a exposição a outo tipo de conteúdos, pontos de vista e discussão. Aborde diretamente e frequentemente questões como a segurança online, conteúdo apropriado, e importância do equilíbrio. Não fuja do assunto. Se não sabe, admita, e procure informar-se. Pais com literacia digital mais facilmente modelam comportamentos saudáveis em relação às tecnologias, e não nos podemos esquecer que este é um mundo em constante mudança, pelo que é importante estarmos a par das novidades.
4. Aproveite ferramentas de controlo parental
As ferramentas de controlo parental são mecanismos usados pelos adultos para controlar o acesso que as crianças e adolescentes têm a diferentes sites, aplicações ou mesmo sistemas operativos, e encontram-se disponíveis em todos os dispositivos que utilizamos, quer sejam computadores, tablets, telemóveis, televisões, e até consolas. A questão é saber localizá-los, e usá-los. Através deles, podemos limitar o acesso a determinados conteúdos, definir horários, limitar aplicações... e muitas outras coisas.
Geralmente os fabricantes têm guias para ativar o controlo parental bastante detalhados (por exemplo, no IOS, ou sistemas andróides), e depois existem ainda ferramentas externas, ou aplicações mesmo elaboradas para ajudar os pais nesse sentido.
Alguns exemplos são o Family Link (da Google), ou o Qustodio. A existência destas várias ferramentas permite-nos escolher aquelas que mais se alinham com as nossas necessidades, e uso da tecnologia.
Antes de vos deixar com alguns recursos que penso serem importantes para se familiarizarem ainda mais com esta temática, queria reforçar a forma como comecei este artigo. A dizer que a tecnologia digital não vai desaparecer, está para ficar, e o nosso objetivo enquanto pais vai ter de passar por encontrar o equilíbrio que lhes permita usá-la de forma autónoma, segura e confiante. Quanto mais depressa enfrentarmos esta realidade, mais depressa os ajudamos a crescer num mundo em que são eles que controlam o que está à volta deles, desenvolvendo sentido crítico para consigo e para com os outros, e tirando o maior partido do que o progresso lhes tem para oferecer.
Recursos úteis:
- Centro Internet Segura: https://www.internetsegura.pt
(Vejam os recursos e iniciativas)
- Seguranet: https://www.seguranet.pt
- PEGI (Pan European Game Information): https://pegi.info/pt-pt
(Ajuda os pais a tomar decisões informadas quando compram videojogos, e tem muitas recomendações importantes sobre videojogos e controlo parental)
- Internet Matters: https://www.internetmatters.org/pt/
(Com informações e configurações de segurança explicadas aos pais)
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