Após um período de espera, desde que a 29 de maio foi apresentado o Plano de Emergência da Saúde, saiu finalmente a 12 de agosto a norma da DGS que vem clarificar como se vai proceder à imunização das crianças contra o vírus sincicial respiratório (VSR).
Para quem ainda não esteja familiarizado com a importância deste vírus nas infeções em bebés e crianças pequenas, e o avanço fantástico nos métodos de prevenção da infeção, convido a ler o artigo neste blog que explica tudo isto, antes de prosseguirem na leitura deste artigo. Podem encontrá-lo diretamente através da ligação https://www.alexandraluzpediatra.com/post/proteger-os-bebés-do-vírus-sincicial-respiratório-todas-as-novidades .
Para todos os outros, então aqui fica a minha análise da norma nº 5/2024, de 12/08/2024, emitida pela DGS, e que pode ser consultada na íntegra em https://www.dgs.pt/normas-orientacoes-e-informacoes/normas-e-circulares-normativas/norma-0052024-de-12082024-imunizacao-sazonal-contra-o-virus-sincicial-respiratorio-em-idade-pediatrica-outono-inverno-2024-2025-pdf.aspx:
Ponto 1. A imunização contra o VSR é incluída numa campanha de vacinação sazonal – ou seja, equivalente ao que acontece com a vacina da gripe para a população. Isto quer dizer que apenas se processa durante a época considerada de risco para o VSR: 1 de outubro de 2024 a 31 de março de 2025.
Ponto 2. Apenas serão imunizadas as crianças que pertençam a pelo menos um dos três grupos seguintes:
Quadro I - Retirado da Norma n.º 05/2024, de 12/08/2024
De maior relevância para a população em geral será o grupo A, onde se encontram as crianças saudáveis, sem fatores de risco – que são, no entanto, as que têm globalmente o maior peso da doença (porque são em maior número, também). No grupo B estarão as crianças prematuras abaixo das 34 semanas de gestação nascidas em 2024 e no grupo C todas com idade inferior a 2 anos à data de 30/09/2024 que tenham doença sujeita a inclusão, que são aquelas que têm risco de doença mais grave.
Ponto 3 – Quanto ao local de imunização, as crianças do grupo A que nasçam a partir de 1/10 serão imunizadas ao nascimento nas maternidades, enquanto as pertencentes ao grupo A nascidas entre 1/08 e 30/09 e as do grupo B serão imunizadas nos Centros de Saúde, na primeira oportunidade.
Quanto às do grupo C (grupo de risco de doença grave), serão imunizadas a nível hospitalar ou nos cuidados de saúde primários (neste último caso com emissão de declaração médica do médico especialista).
Ponto 4 – A imunização com o anticorpo monoclonal nirsevimab pode realizar-se ao mesmo tempo com qualquer vacina pediátrica de rotina.
Ponto 5 – A imunização com o anticorpo monoclonal nirsevimab tem a duração de proteção estimada de, pelo menos, 5 meses.
Ponto 6 – Relativamente à administração do niservimab a crianças cujas mães realizaram a vacina contra o VSR (Abrysvo), o que é dito é que não será necessária na maioria dos casos a administração ao recém-nascido/lactente (o que é defendido pela maior parte da literatura internacional, como eu já tinha apontado no artigo prévio do blog). Considera-se, contudo, pertinente a sua administração nos casos em que o intervalo entre a data de vacinação da grávida e o nascimento do bebé tenha sido inferior a 14 dias, ou situações de imunossupressão materna, ou fatores inerentes ao bebé que o possam justificar.
Reflexões adicionais, que esta norma me traz, e que partilho convosco:
A) Então e o que acontece às crianças saudáveis, não prematuras com idade gestacional abaixo das 34 semanas, não pertencentes a grupos de risco conforme o definido no grupo C, nascidas entre 1/01 e 31/07/2024?
Não têm direito à inclusão no programa de imunização sazonal contra o VSR. Não se prevê que o Nirsevimab (Beyfortus) esteja disponível em farmácias comunitárias, portanto reforço que não existe qualquer possibilidade destas crianças terem acesso a esta terapêutica.
B) Estas crianças, no ponto anterior, cujas mães tenham feito a vacina da grávida contra o VSR na altura recomendada, terão à partida proteção eficaz nos primeiros 6 meses de vida, através da passagem transplacentária dos anticorpos maternos, sendo que posteriormente provavelmente a proteção vai decrescer (mas também, a doença grave é mais frequente nos lactentes mais pequenos).
C) A grande maioria das crianças pertencentes ao grupo A que nasçam a partir de 1/08 e cujas mães tenham feito, nas condições ideais, a vacina do VSR na gravidez não verão os seus bebés a fazer a imunização com o nirvesimab. Mas este ponto não me gera tanta preocupação, pois a vacina é igualmente eficaz na proteção, e não existem estudos da realização de ambas nas mesmas crianças pois via de regra ou adota-se uma estratégia, ou outra. Que é o que faz sentido, na ótica da boa gestão de recursos.
D) A prudência, e o bom-senso, deveriam pautar o que é transmitido para a comunidade, em termos de medidas de saúde – ter um Plano de Emergência que, a 29 de maio, diz ipsis verbis “Tendo em conta a carga estimada da doença por VSR em Portugal e o seu impacto, a proteção desta infeção com anticorpo monoclonal será oferecida a partir de outubro de 2024 a todas as crianças na sua primeira época sazonal de infeção por VSR, estendendo-se à segunda época sazonal nos grupos de risco para doença grave”, pode ter induzido algumas grávidas a não se terem vacinado contra o VSR, na expectativa de os seus bebés serem abrangidos por esta medida. Tanto mais que é uma vacina não comparticipada, cujo valor sai do bolso da família e não é negligenciável, e que nem todos os médicos a vigiar a gravidez a terão recomendado. Só isto, para mim, foi no mínimo irrefletido.
Este é o primeiro ano que vamos ter uma imunização sazonal contra o VSR, e naturalmente vai servir de ponto de partida para os próximos anos, e para encontrar uma estratégia que seja o mais eficaz possível, e que abranja todas as crianças sem exceção mais ou menos arbitrária. Porque nem a vacina do VSR está acessível a todas as grávidas (qualquer que seja o motivo, monetário ou até de informação), nem o nirsevimab está acessível a todas as crianças (pois não existe em termos comunitários, o que retira qualquer possibilidade de escolha). E isso, para mim, traduz uma injustiça que desejaria que não fosse replicada no futuro.
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