
Na passada quarta-feira, dia 8 de setembro, tive a oportunidade de estar em direto com a Drª Susana Lalanda, num Dicas da Pediatra Live dedicado a um tema delicado, mas que pela sua importância merece ser referenciado aqui no blog - o luto da criança. Infelizmente, apesar do nosso esforço, as condições técnicas não foram as melhores, e eu acabei por ficar um pouco triste porque com os sucessivos cortes, penso que a fluidez da nossa conversa pode ter-se perdido um pouco. E eu aprendi muito neste Live, com a Drª Susana (e muito até durante a semana, com os vossos testemunhos sobre perdas que tiveram, e experiências que viveram com a morte), tanto que não quero deixar passar este tema assim, sem fazer um breve "apanhado".
Todos nós, adultos, contactámos já com a perda. Perdemos sucessivamente, para nos restruturarmos e continuarmos a viver. Portanto, a perda é parte integrante da vida. Independentemente do tipo de perda. Para crescermos "perdemos" a infância, para começarmos um novo emprego "perdemos" um antigo, para termos um novo relacionamento "perdemos" o anterior... sem a perda, não haveria aprendizagem. E assim é a morte, uma das formas mais difíceis de perda, porque quando toca aos nossos, a verdade é que literalmente os "rouba" de nós. Mas nós, adultos (que também já fomos crianças, recorde-se) já perdemos várias vezes nas nossas vidas, e ganhámos mais ou menos "calo", mais ou menos estratégias de encaixar estas situações, e de seguir em frente. As crianças estão no mais puro de si. Não conhecem a perda, porque tudo à sua volta se conjuga para (num cenário normal) lhes trazer felicidade.
E então, será assim tão importante dar a conhecer às nossas crianças a morte? Sem dúvida. E chamar-lhe morte. Com todas as letras. E qual a melhor oportunidade de o fazer? Dependerá obviamente de cada criança, da sua idade e maturidade, e da família, e também, em alguns casos, da necessidade. Mas não deverá depender apenas da necessidade, pode ser "trazida" à conversa, e deve ser trazida à conversa, como algo natural, do ciclo que é a vida. E aqui temos a possível ajuda de alguns livros (no final irei deixar-vos as referências bibliográficas de que falámos no Live), que ajudam a "normalizar" a "normalidade" da morte. Para quem conta histórias aos seus filhos, porque não contar uma história sobre a morte? Depois, haverá outras situações onde a criança pode contactar com a morte (como por exemplo, de um animal de estimação), que são também oportunidades para explicar, de forma concordante com a idade da criança, este fenómeno. E falou-se na nossa tentativa enquanto pais, mesmo com a questão dos animais, de "esconder" a morte à criança, para que ela não fique infeliz. No caso concreto, dos efémeros peixinhos vermelhos de aquário, com uma curta esperança de vida. E quando morrem (e isto também já dito por alguns pais), sai-se a correr até à loja mais próxima para comprar uns iguais, porque "pode ser que a criança não note". E perde-se assim a oportunidade para explicar a morte. E porquê? Não será também pela nossa dificuldade em falar sobre isso?
Bom, e quando falamos com uma criança, o que é que ela compreende do conceito da morte? Novamente, dependerá da sua idade, e maturidade. Crianças mais novas do que os 6 anos não têm capacidade de compreender a permanência da morte, portanto, estarão sempre à espera que quem morreu possa novamente voltar, como se apenas tivesse saído para dar uma volta. Poderão perguntar uma, e duas, e três vezes, e mais, onde está o avô, ou a avó, ou o mano. E verão o sofrimento a cada uma destas perguntas, derivado do próprio luto do adulto, e calar-se-ão. Guardarão para si as perguntas, e não vão ter a capacidade de exteriorizar as suas próprias emoções. Também por volta desta idade, e até um pouco mais tarde, as crianças são muito "literais", pelo que dizer que o avô "adormeceu em paz", ou que "Deus veio buscar a avó e levá-la para o céu" pode criar confusão e ansiedade na criança, pois poderá a passar a acreditar que dormir não é mais seguro (morre-se a dormir!!), ou que existe uma entidade que é "Deus" que vem à Terra roubar as pessoas de quem gostamos. De maneira que é preciso algum cuidado para não criar ansiedade nestes aspetos, até porque o vocabulário ligado à morte, por não fazer parte do nosso quotidiano, é muitas vezes completamente desconhecido da criança (cemitério, urna, caixão, defunto, finado, cremar, "vai a enterrar").
Por vezes a morte pode ser esperada (se é que se pode esperar a morte), e noutras pode ser completamente inesperada. Grande parte das vezes respeitará a chamada "ordem natural das coisas" (a morte dos mais velhos), mas noutras será completamente "contra-natura" (a morte de um irmão, por exemplo). E se é um facto de que não conseguimos prever a altura da morte, quando ela se adivinha, não deve ser escondida da criança. A isto se chama "a conspiração do silêncio", quando alguém na família está doente, e todos os adultos fazem um "pacto" e não falam sobre isso à frente da criança. Ao não o fazer, consciente ou inconscientemente com a melhor das intenções, estamos novamente a cair no mesmo erro de super-proteger as crianças, não dando a oportunidade que participem e se preparem até para o desfecho que todos os outros adivinham.
Depois, a questão dos funerais. Que, claramente, dividiram opiniões. Porque havia quem considerasse que poderá ser uma violência para a criança, que em nada a beneficia. Por outro lado, houve quem defendesse que é um ritual da sociedade, e como ritual, que a criança deve participar do mesmo. E novamente aqui, não há respostas certas nem erradas. Há crianças, há idades, há famílias. Pouco benefício parece haver em crianças pequenas, abaixo dos 6-7 anos de idade, que por não compreenderem o sentido permanente, estarão num funeral como num outro evento. Serão crianças, brincarão, ficarão impacientes... e pouco ou nada retirarão desse momento, nessa altura das suas vidas. Já em crianças mais velhas, a palavra de ordem parece ser o respeito pelo desejo da criança. Há que explicar o que é o funeral, preparar para o que se espera, para a carga de emoções, e respeitar aquilo que for dito pela criança. Porque para umas crianças será importante despedirem-se do avô e verem-no uma última vez, enquanto que para outras, a visão do mesmo avô, no caixão, não será a última memória que querem ter. Ou seja por que razão for.
Falámos ainda sobre maneiras de ajudar a criança a lidar com a dor, a fazer um luto saudável, de explicar que o corpo desaparece, mas as memórias estarão para sempre gravadas. E neste âmbito, da criação de uma chamada "Caixa de recordações", onde podemos guardar tudo o que a criança escolher e quiser, memórias de quem partiu, e às quais a criança possa voltar sempre que queira, ou que precise. Outras crianças poderão preferir desenhar, ou escrever num diário. Também abordámos algumas situações em que a criança, depois da morte de um ente querido, é encontrada a falar com a avó que faleceu, ou a brincar com o irmão que já partiu. E aí, apesar de poder ser um sofrimento para o adulto responsável (ele próprio a lidar com a perda), há que tentar perceber o que existe por trás, da necessidade de falar com a avó (o que lhe queres contar?), ou de brincar com o irmão. Há que dar voz aos sentimentos que a criança ainda não sabe (ou mal sabe) expressar - "sim, eu também estou triste porque a avó morreu, eu também sinto a falta dela. É normal estarmos tristes, porque gostávamos muito da avó, e continuamos a gostar, guardamo-la nas nossas memórias, sempre".
Finalmente, é importante sabermos quando é que o luto parece ultrapassar aquilo que é saudável, e a criança pode precisar de mais alguma ajuda. Como a Drª Susana Lalanda referiu, é normal que nas crianças possa haver alguma regressão no comportamento, por exemplo, ao nível da ansiedade de separação. "Se o meu avô morreu enquanto dormia, não vou deixar a minha mãe ir ao supermercado, pode não voltar". Faz sentido na cabeça de uma criança, e é normal. Tem que se dar tempo, e confiança, para restruturar a nova realidade. Mas quando a criança não dorme, quando a criança não come, quando se isola. Aqui a importância também de envolver a escola (ou a pré, no caso dos mais novos) no suporte à criança. Porque afinal, as crianças passam grande parte do seu tempo na escola, e apesar de gostarmos muitas vezes de manter o luto privado, e o nosso sofrimento também privado, o apoio por parte do educador ou do professor, a compreensão, e o estar alerta na vigilância do comportamento, são essenciais para o bem-estar da criança.
E desta forma, penso ter trazido aqui para vós algumas das ideias-chave do nosso live sobre o luto na criança. Muito mais haveria, certamente, a dizer. Muitas experiências poderiam ser partilhadas. Mas é minha crença que falarmos sobre estes assuntos, mesmo que delicados, pode ajudar famílias e crianças a compreenderem-se e apoiarem-se mutuamente na sua dor, e só isto, para mim, já vale a pena. Deixo-vos então com algumas das referências bibliográficas que, tal como a Drª Susana também disse, falarão sobre a morte, as emoções, umas mais direccionadas para crianças mais novas, outras para crianças mais velhas... o importante é procurar em cada uma destas fontes aquilo que faz sentido para a criança, e para a família.
- "É assim", de Paloma Valdivia. Esta história também está contada no Youtube, em https://www.youtube.com/watch?v=KixcQtNobec
- "A avó adormecida", de Roberto Parmeggiani e João Vaz de Carvalho
- "Para onde vamos quando desaparecemos", de Isabel Minhas Martins e Madalena Matoso
- "A árvore das recordações", de Britta Teckentrup
- "O coração e a garrafa", de Oliver Jeffers
- "Mas por quê??!", de Peter Schossow
- "Estar triste não é mau", de Michaelene Mundo
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