No outro dia alguém comentava comigo o quão difícil era perceber como se preparava a vinda de um novo bebé em relação a um irmão. Que o poço inesgotável de informação que conhecemos como “Dr. Google” dava sugestões muitas vezes impraticáveis, irrealistas, e em múltiplos sentidos. E eu pensei de mim para mim, ora, aqui está um bom tema para eu abordar no meu blog. Sou absolutamente fã daquele diagnóstico 100% fiável de cancro do intestino quando se tem uma dor de barriga, ou até da mais que certa depressão quando há oscilações de humor, mas vá, vamos lá a tentar fazer um bocadinho melhor.
A vinda de um novo bebé, quando já existem um ou mais filhos anteriores, pode ser fonte de apreensão para os pais, que num momento tipicamente associado a grande felicidade, não poucas vezes pensam que estão a “roubar” algo aos irmãos mais velhos. Para além de que têm receio de como a criança vai reagir à vinda de um recém-nascido. Mas a verdade é que nada mais vai ser como dantes, e não há volta a dar a isso. Há que chegar a um novo ponto de equilíbrio, e a família tem de se ajustar a uma diferente realidade.
Afinal quando é que devemos dizer à criança que vem aí um irmão mais pequeno?
Antes de mais, é útil sabermos que, logicamente, crianças de idades diferentes vão reagir e ter perceções muito diferentes perante esta notícia. Por exemplo, se estivermos a falar de crianças mais pequenas, com um ou dois anos, a noção da vinda de um irmão é algo cujo significado elas não vão perceber, por isso não vale a pena prendermo-nos com grandes explicações do que vai acontecer. Importará mais a emoção que transmitimos quando falamos do “novo bebé”, ou seja, se é algo de que falamos com entusiasmo, mesmo que não percebam, vão ter tendência para fazer uma associação positiva à ideia. Emoções e sensações positivas levam a sentimentos igualmente positivos, não se esqueçam. Se a criança gosta de histórias, e de livros, poderão deliciar-se a vê-los em conjunto, porque embora a história em si possa não ser apreendida, é importante na mesma transmitir conceitos novos como “irmão”, “irmã”, ou “novo bebé”.
Quando falamos de crianças um pouco mais velhas, entre os dois e os quatro anos, sabemos que elas são tipicamente ainda muito dependentes do cuidado dos pais, e pouco familiarizados com o conceito de “partilha”, ou seja, ter de partilhar os progenitores com um novo elemento. Não há momentos ideais, mas será importante que a criança saiba desta novidade pela boca dos pais, e também pode ser útil transmitir a novidade de uma forma natural quando a criança notar “a barriga da mãe a crescer”, ou se começarem a fazer compras de enxoval/para o bebé. A leitura de histórias continua a ser uma boa ideia, pois existem várias muito interessantes (deixo algumas dicas no final) e poderão ainda mostrar fotografias da própria criança quando era mais pequena.
Se a criança tiver interesse, e principalmente numa altura em que o bebé já se mova na barriga, podem convidar a que coloque a mão para sentir os movimentos. Não há que forçar este momento, e deve respeitar-se se a criança não o quiser fazer. Sempre que possível e apropriado, procurar envolver a criança nos preparativos da vinda do irmão – decoração do quarto, roupas... aqui pode ainda ser útil arranjar um boneco para a criança em que ela possa “praticar” o que é agarrar, ou tratar de um bebé. Se houver amigos com bebés pequenos, pode ser útil uma visita, para que tenham alguma perceção do tamanho, e de que os bebés pequenos são muitas vezes “pouco ativos”.
Sejam honestos com a vossa criança. Não escondam que o novo bebé irá precisar de cuidados diferentes, que apesar de poder ser “fofinho” na realidade também irá chorar bastante, e precisar de atenção da mãe e do pai, e de muito colo. E de que, por ser pequenino, provavelmente ainda precisará de algum tempo até que possa brincar com o irmão mais velho. Utilize frequentemente palavras como “amor”, “carinho”, “gostar”, e procure assegurar que, independentemente da vinda do bebé, que gostará tanto da criança nessa altura como gosta agora. Abrace, dê colo, e ria com a sua criança.
Para crianças mais velhas, a partir dos cinco anos, a ideia de um novo irmão provavelmente não parecerá tão “ameaçadora” como para uma criança mais nova, uma vez que geralmente são nesta altura mais independentes. Contudo, poderão ressentir-se particularmente com a atenção que é dada ao novo elemento da família, o que é perfeitamente natural. Portanto, tal para o grupo anterior, funcionará a honestidade com aquilo que significa ter um recém-nascido em casa, com todas as suas partes boas, e menos boas. Não complique, e use uma linguagem clara e acessível, procurando responder às questões que lhe forem colocadas sem elaborações demasiadas. Também tal como anteriormente, envolver a criança nos preparativos e na escolha de roupa, e decoração, pode ser uma boa estratégia. Acima de tudo, respeite, e não imponha!
Uma palavra final neste capítulo para “grandes mudanças” previstas na vida do irmão mais velho, ou seja, questões como deixar a chupeta, processo de desfralde, mudar de cama ou de quarto... será melhor que grandes mudanças de rotina estejam (na medida do possível) bem consolidadas antes da vinda do bebé, ou então deixar estas mudanças para algum tempo depois. Não vamos sobrecarregar uma criança pequena (nem os pais, que terão mais onde focar a sua atenção) com ainda mais alterações na sua rotina. E também alerto, é perfeitamente expectável que possa haver uma “regressão” em algumas áreas e competências previamente adquiridas. Pode voltar a pedir o biberão, pode haver mais “acidentes” com o chichi nestas alturas... é a forma da sua criança manifestar a sua preocupação, e desejo de amor e atenção, e como tal não deve ser repreendida, nem frases típicas como “agora já és grande, por isso não precisas de nada disso” devem ser usadas. Dê a sua atenção, releve estes comportamentos, e elogie sempre que a criança tenha uma atitude ou comportamento que deseja reforçar.
A ida para o hospital
A preparação para o momento do parto terá também de ter em conta os planos da família para o mesmo, o eventual suporte familiar e de amigos (que é sempre bem-vindo!), e claro, a idade da criança. Uma criança mais pequena poderá ficar confusa com a ausência da mãe durante aquele período, por isso é importante explicar que a mãe regressará depois já com o novo irmão. É importante que a criança saiba quem ficará a cuidar dela naquele período (os pais podem optar que a criança fique, por exemplo, com os avós), e se houver amigos ou outros familiares envolvidos para tempo de brincadeira durante a estadia da mãe no hospital, é importante que a criança esteja previamente familiarizada com as pessoas e tenha consciência de que isso vai acontecer. Procure que a rotina da criança, enquanto está ausente, seja o mais possível semelhante ao que costuma ser – as crianças tendem a gostar de rotinas, sentem-se mais seguras e confiantes quando assim é. Consoante a possibilidade de visita (e a idade da criança) prepare as visitas de uma forma adequada, por exemplo, crianças mais velhas poderão ficar mais tranquilas se puderem visitar a mãe durante a estadia no hospital. Nesta situação, reforce sempre à criança o feliz que está por a ver, e o quão especial ela é.
O momento da vinda para casa
Aqui é que normalmente se gera uma grande ansiedade – será que a criança, se ainda não teve contacto com o recém-nascido, a irá receber bem? E será que essa receção pode ser melhorada por alguma das nossas atitudes no momento? Novamente, não há receitas mágicas nem infalíveis aplicáveis a todos, e aquilo que funciona para umas famílias poderá não fazer sentido nenhum para outras. Acima de tudo, respeitem as vossas convicções, diminuam os níveis de ansiedade, e ajam com naturalidade. Não se determina uma relação para a vida num único momento, não é? Aliás, provavelmente vão ser precisos muitos e muitos meses até que se estabeleça uma relação fraterna entre as vossas crianças. E novamente, tenham em atenção que as necessidades e o entendimento vão variar conforme a idade da criança.
Para crianças muito pequenas, pode ser mais fácil que ambos os colos da mãe e do pai estejam livres para acolher a criança mais velha, e isso pode significar ter um outro membro da família a ter o bebé no colo, ou que ele esteja por exemplo, no berço. Abrace fortemente a sua criança antes de lhe apresentar o irmão. A questão de oferecer uma prenda à criança mais velha (que seja o irmão recém-nascido “a dar”) pode fazer diferença positiva nestas crianças mais pequenas, pela associação a uma emoção boa, mas dependerá do critério da família. Tal como combinar com eventuais elementos que visitem o agregado familiar (já sabem que o tema de visitar o recém-nascido é todo um outro campeonato, não estou a falar disso agora) trazerem algo também para dar à criança mais velha, se o vão fazer igualmente para o mais novo. Crianças mais pequenas provavelmente vão olhar para o novo bebé e rapidamente mudar o foco da sua atenção, mas crianças maiores poderão querer agarrar no bebé. Não force o contacto, mas também não o recuse, dentro daquilo que se considera a segurança para ambos. Evite a palavra “não”, ou advertências negativas – “não agarres assim”, ou “cuidado que magoas o bebé”. Já sabe que vai ter de ter trezentos olhos, mas esse é o papel dos pais, procure mostrar como se faz, e elogiar quando se faz bem.
Se puder nesta fase ter programado tirar algum tempo de qualidade para passar com a criança mais velha, é sem dúvida uma mais-valia. Lembre-se que não tem a ver com a quantidade de tempo que passa, mas sim com a qualidade desse tempo. Não descure as atividades habituais, mas certamente a mãe terá de depender mais do papel do pai, ou de outro suporte (se possível), sem se culpar por isso. As coisas são como são, e o seu bebé mais pequeno precisa, e muito, de si.
Bom, estes são alguns conselhos que eu espero que vos sejam úteis. Não tenho como saber o que faz sentido na vossa família, mas sei que vocês saberão, dentro destas ideias soltas, o que é mais adequado. Não se esqueçam, são vocês que melhor conhecem a vossa criança, e qualquer atitude e conduta que tomem, certamente será com o intuito de tornar mais feliz a vossa família – desde o seu membro mais novo, até ao mais velho. E já agora, felicidades neste novo caminho!
Sugestões de leitura (adaptáveis consoante a idade da criança):
- Coração de mãe, de Isabel Minhós Martins;
- O que tem a barriga da mãe?, de Luís Belo e Joana M. Lopes;
- Mãe, fui devolver o mano, de Celina Lopes;
- Vai chegar um bebé, John Burningham e Helen Oxenbury;
- Vou ter um irmão (Experimentar as emoções), de Roberto Piumini, Roberta Vottero e Frederica Nuccio;
- Mais um, de Olalla González e Marc Taeger;
- Ter um irmão é..., de Lara Xavier;
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