Estava eu passeando pelas ruas de Dublin, numa escapadinha de aniversário, quando fui surpreendida por uma mensagem no meu instagram – a mensagem em causa mostrava uma publicação de um colega meu, Manuel Magalhães (reputado pediatra dedicado à área da pneumologia pediátrica) que anunciava a proteção contra a bronquiolite a vírus sincicial respiratório para todos os bebés portugueses, seguida da pergunta – Dra., isto é verdade? Duas coisas passaram-me logo pela cabeça. Primeiro, não devia abrir mensagens quando estou de férias. Claramente. Depois, alguém confia mesmo mesmo em mim para me perguntar isto, quando até parte de um colega especialista na área!
Brincadeiras à parte, porque é que hoje estamos a falar de infeção a vírus sincicial respiratório (VSR), e porque é que vos falo em novidades?
Comecemos pelo princípio.
A infeção pelo VSR é uma das principais causas de doenças respiratórias em crianças, especialmente em bebés e crianças pequenas. Eu própria já tive um encontro em primeiro grau com este vírus, e fiquei internada com um dos meus pequenos durante 5 dias, por uma pneumonia a VSR. E não foi nada bonito. Estarmos atualizados em relação às formas de prevenção disponíveis é crucial para proteger nossos pequenos de complicações graves. Neste artigo vou apresentar-vos as estratégias atuais de proteção contra o VSR, desde as medidas gerais até as mais avançadas, como a vacinação de grávidas e a administração de nirsevimab em recém-nascidos. Sim, NIR-SE-VI-MAB. É deste palavrão que resulta a atualização de hoje.
O Que é o Vírus Sincicial Respiratório?
O VSR é um vírus relativamente comum que causa infeções respiratórias, podendo levar a bronquiolite e pneumonia, especialmente em bebés, crianças pequenas, idosos e pessoas com algum grau de imunossupressão. Os sintomas podem variar de ligeiros, semelhantes a uma constipação, a graves, necessitando de hospitalização (podem ver o artigo que tenho sobre o VSR, no link https://www.alexandraluzpediatra.com/post/vírus-sincicial-respiratório-os-factos-a-saber.)
Medidas Gerais de Prevenção
Lavagem das Mãos
A higienização das mãos é uma das formas mais eficazes de prevenir a propagação do VSR. Cabe-nos a todos nós, pais, profissionais de saúde e da educação, ensinar os miúdos a lavar as mãos frequentemente com água e sabão, especialmente após tossir, espirrar ou tocar em superfícies sujas. Se não houver água e sabão disponíveis, é lícito usar álcool em gel.Evitar Contato com Pessoas Doentes
Manter as crianças longe de pessoas doentes é crucial. O VSR trasmite-se facilmente através de gotículas respiratórias. Evitar levar os pequenos a lugares desnecessários em que haja grandes aglomerações de pessoas durante a temporada do VSR (outono e inverno) parece uma medida sensata.Higienização de Superfícies
O VSR pode sobreviver em superfícies durante várias horas, infelizmente. Limpar e desinfetar regularmente brinquedos, maçanetas das portas e outras superfícies em que as crianças tocam com frequência é outra medida importante.
Medidas Específicas de Prevenção
Vacinação da grávida
A vacinação durante a gravidez é uma forma de aproveitar o sistema imunológico da mãe para proteger o bebé (muito semelhante à estratégia que já se faz com a vacina da tosse convulsa, administrada também na gravidez). Quando uma mulher grávida é vacinada, o seu sistema imunológico produz anticorpos contra o VSR. Estes anticorpos atravessam a placenta e entram na corrente sanguínea do feto, conferindo imunidade passiva ao bebé desde o nascimento.
Esta estratégia já era usada em vários países, e suportada por várias sociedades científicas e passou a estar disponível em Portugal no final de 2023. As últimas recomendações publicadas pela Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal recomendam a administração única desta vacina entre as 24 e as 36 semanas de gravidez, devendo a grávida ser vacinada em cada gravidez (ver recomendações neste link https://www.fspog.org/images/2024-1/2024-1%20-%2012%20Norma_SPOMMF_vacinacaao_e_gravidez.pdf )A proteção conferida pelos anticorpos maternos não é permanente. Os anticorpos recebidos através da placenta começam a diminuir gradualmente após o nascimento, podendo estender-se até 6 meses de idade, dependendo de fatores individuais. Esta duração cobre um período crítico, pois os bebés são mais suscetíveis a infeções graves por VSR nos primeiros meses de vida.
Administração de Nirsevimab ao Recém-Nascido
O nirsevimab é um anticorpo monoclonal que fornece imunidade passiva ao recém-nascido contra o VSR. A diferença aqui em relação à vacinação da grávida é que estamos a administrar diretamente o anticorpo ao bebé. Ele liga-se especificamente ao VSR, neutralizando o vírus e impedindo a infeção. Administra-se como uma dose intramuscular única antes da temporada de VSR e oferece proteção por pelo menos cinco meses, ou seja, à partida durante toda a temporada ativa do VSR.E finalmente, porque é que isto é importante agora? Porque a 29 de maio de 2024 foi apresentado o Plano de Emergência da Saúde, que na sua página 113 reza assim “Tendo em conta a carga estimada da doença por VSR em Portugal e o seu impacto, a proteção desta infeção com anticorpo monoclonal será oferecida a partir de outubro de 2024 a todas as crianças na sua primeira época sazonal de infeção por VSR, estendendo-se à segunda época sazonal nos grupos de risco para doença grave” (ver o link em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNDEyMQEAYT9bmAUAAAA%3D ).
Não está mais nada escrito, e a esta altura não se sabe mais nada. Mas uma medida desta ordem exige toda uma operacionalização que não é fácil. Portanto, esta vossa pediatra tem fé nesta medida, mas já aprendeu com a vida que até ao lavar dos cestos é vindima.
Na maioria das recomendações que consultei, não existe evidência clara sobre o que é que é melhor/mais eficaz – se a vacina na grávida, se o anticorpo no recém-nascido. Ambos parecem ser semelhantes – e a recomendação é de discutir as opções com a grávida. Não existe qualquer problema de fazer ambas, mas num ambiente em que se pretende uma gestão eficaz de recursos, não parece fazer sentido fazer ambas.
Daqui, e tendo tudo isto em consideração, eu digo:
- A única estratégia específica neste momento disponível é a vacinação à grávida, que é segura e eficaz.
- O anticorpo contra o VSR é igualmente seguro e eficaz.
- Ambas não são mutuamente exclusivas.
- Está prevista a realização de anticorpo a todos os bebés a partir de outubro de 2024. Realço a palavra previsto, e realço que não foram referidas limitações eventuais, como a realização da vacina pela grávida. Mas o facto permanece que em termos de gestão em saúde fazer ambas parece um desperdício de recursos, e nada nos diz que na operacionalização da medida sejam tomadas outras decisões.
Portanto, se está grávida, e está na dúvida, fale com o seu obstetra, ou com o seu pediatra na consulta pré-natal de pediatria. Se tem um bebé pequeno, resta aguardar por outubro para ter mais novidades (porque vem aí todo um verão, com muiiiitaaaas férias à mistura!).
Estarei sempre aqui para tentar ajudar um pouco, naquilo que posso! Assim que souber mais novidades, também atualizo. Continuem a seguir as “Dicas da Pediatra”!
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