Na passada quinta-feira, dia 27 de janeiro, tive a oportunidade de falar sobre redes sociais na 6ª edição do ICCA (Congresso Internacional da Criança e do Adolescente). E porque considero que é um tema muito atual, e sobre o qual pais e cuidadores têm muitas dúvidas, resolvi trazer um pouco desta apresentação para aqui, com o intuito que vos possa ser útil, e que possamos refletir sobre isto em conjunto.
As redes sociais (particularmente como as conhecemos no mundo atual, que é na internet) têm vindo a mudar a nossa forma de nos interligarmos, de comunicarmos uns com os outros. E isto tem sido objeto de reflexões, estudos, debates, particularmente sobre o efeito que estas alterações possam vir a ter em nós, enquanto sociedade. Há quem aponte os efeitos benéficos, há quem as caracterize como as precursoras da desgraça e os arautos do apocalipse... convenhamos, continua a ser difícil navegar neste mar de informação contraditória.
Em primeiro lugar, é bom deixarmos já aqui estabelecido que as redes sociais existem há muito mais tempo do que a existência da internet - uma rede social é, na realidade, uma estrutura formada para entreligar pessoas com os mesmos interesses, valores ou objetivos, que podem ser das mais variadas ordens (políticos, familiares, religiosos...). Constatamos é que cada vez mais a internet se tornou no palco por excelência das redes sociais – mas simplesmente porque a potencialidade em termos de conetividade é verdadeiramente imensa.
Importa trazer aqui também o conceito de “Geração Z” - a primeira geração a ter contacto com a tecnologia desde a infância/adolescência – e que são, na realidade, os nossos filhos, que parecem literalmente nascer ensinados, como peixes na água no mar da tecnologia digital.
Para muitos de nós, pertencentes às gerações anteriores, isto é verdadeiramente assustador, tanto mais ainda que estas mudanças, que tipicamente se processam ao longo de décadas e que, como tal, nos vão dando tempo enquanto sociedade para nos ajustarmos e atingirmos um novo ponto de equilíbrio, têm-se processado a um ritmo alucinante, conduzindo a um verdadeiro “choque de gerações”. De um lado, encontram-se os mais novos, que navegam neste mundo de acesso fácil à informação e usam estas tecnologias como promotoras da interação social, e de outro lado os mais velhos, que olham para todo este tempo “desperdiçado” online, uma verdadeira perda de tempo e de oportunidades. “Ah", dizemos nós com um suspiro, "no nosso tempo é que era bom, subíamos às árvores e éramos livres” (bom, e se calhar éramos livres e caíamos e partíamos a cabeça e mais alguma coisa no caminho...). Por outro lado, não poucas vezes, também enquanto pais e cuidadores, não possuímos as bases de literacia digital para compreender este uso da tecnologia. E deste choque, destas mudanças rápidas, resultam então várias dúvidas e receios, entre os quais realço:
- Estaremos perante uma geração “fisicamente” mais segura, mas mais exposta a problemas de ordem mental?
- Estão as crianças e os adolescentes a perder competências ao nível social?
- Ao restringirmos o tempo online, controlamos a forma como as crianças e adolescentes usam a tecnologia digital?
- Quanto tempo de exposição é demasiado tempo?
Inevitavelmente quando abordamos os aspetos menos positivos da utilização das redes sociais um dos itens que surge à cabeça é o fator tempo. A definição do tempo online que estaria associado a efeitos mais prejudiciais foi desde o início uma preocupação e até levou a recomendações mais iniciais que focavam apenas o tempo de exposição. Mas afinal, quanto tempo é demasiado? E, mais difícil, como definir atualmente o tempo que se passa online, uma vez que o acesso é tão generalizado que parecemos estar todos “constantemente ligados”, apenas à distância de um toque no ecrã? Sobre essa temática, o relatório de 2017 da UNICEF “Crianças num mundo digital” apresenta vários estudos, que abordam aquilo que se descreve como o efeito “Goldilocks”. E o que nos diz este efeito é que “nem 8, nem 80”. Ambos os extremos são prejudiciais – não apenas o tempo “em demasia”, mas também a ausência de exposição. Não ter acesso às tecnologias digitais priva os adolescentes de todos os seus efeitos benéficos, e tem reconhecidamente um impacto negativo no seu bem-estar.
Uma outra teoria apresentada como possível para explicar os efeitos negativos das redes sociais denomina-se “displacement theory”, ou teoria da substituição. Nesta, é explicado que o tempo passado online iria ter efeitos negativos por substituir o tempo que a criança e o adolescente passariam a fazer, por exemplo, atividade física/desporto ou outras atividades de lazer, como a leitura. Substituiria ainda o tempo passado na interação social “presencial” e nas atividades passadas em família. Mas afinal, parece que esta relação não é tão linear assim, e que poderão ser as crianças e adolescentes já de si mais inativos a procurar as tecnologias digitais como ocupação dos seus tempos livres, e que apenas limitar o tempo de uso não vai fazer com que estas pratiquem mais exercício físico, ou estejam em atividade em família, se essa não for já ab initio uma atividade reconhecida pela criança e pelo adolescente.
Sem dúvida que outro fator a ter em conta é ainda o conteúdo. É importante ter em conta o que a criança e adolescente estão a fazer/ver nas redes sociais. E quanto a isso, pode ser ainda mais fundamental que o adulto compreenda o conceito do algoritmo destas redes, e em que medida isso pode ter impacto no conteúdo que se vê. É ponto assente que as redes sociais incorporam tecnologias avançadas baseadas no recurso a técnicas de psicologia (muitas vezes persuasiva), e através da colheita de dados pessoais. Os “gostos” que eu faço, o tempo que passo em cada publicação, o conteúdo com o qual interajo mais... tudo isso é registado, compilado, integrado e devolvido sob a forma de uma entrega de conteúdo “personalizado” que se destina a manter-me online o máximo de tempo possível. E é bom que isto esteja bem claro para nós, para que o possamos igualmente deixar bem claro à criança e adolescente – “as redes sociais são desenhadas para te manter ligado o máximo de tempo possível, é assim que ganham dinheiro!” É evidente que estas personalizações de conteúdo, estas “recomendações” que as plataformas teimam em fazer-nos também têm pontos positivos – é assim que acedemos mais rapidamente a informação que nos interessa, ou às publicações dos nossos amigos. Mas esta personalização não é isenta de riscos. As “recomendações” mostram-nos aquilo que o algoritmo acha que queremos ver, e mais direcionado à visão que já temos. O que é muito bom se formos pessoas sensatas, e moderadas. Mas nos extremos, existe o risco claro de acentuar a radicalização (política, religiosa...) sem nenhum controlo, da mesma forma como é fácil ter acesso a má informação – porque é fácil de disseminar, sem necessidade de verificação.
Finalmente há um terceiro fator a considerar – a intenção. Reconhecer a intenção com que usamos as redes sociais e as tecnologias digitais é fundamental. Aceder porque se quer consultar um jornal ou fazer uma pesquisa, porque se quer saber o que o nosso amigo anda a fazer. Há que perceber o que são desencadeantes internos que nos levam à procura das redes – e que na realidade acabam por ser os mesmos que nos levam a utilizar um qualquer outro produto! São estímulos emocionais negativos como a solidão, estar aborrecido, inseguro, cansado. Podemos aqui estabelecer o paralelo, por exemplo, com a necessidade que podemos ter de, quando nos sentimos tristes, de ir comprar alguma coisa, ou de comer chocolates! E por outro lado, identificar o que são desencadeantes externos, que são aqueles “lembretes” e “notificações” que automaticamente surgem no ecrã do nosso telemóvel (“tens um novo like na tua foto...”) e que não só interrompem o fluxo do nosso dia mas que nos levam ao consumo quase constante das redes. Mas até aí nós somos os primeiros a pecar – quantos de nós têm as notificações das redes sociais desligadas? Este poderá ser um bom conselho.
Assim, neste dilema do bom e do mau, é talvez mais sensato perceber que as redes sociais não são, em si só, o vilão.
- As redes sociais não são boas, nem más, é o uso que fazemos delas que vai ditar as suas consequências mais positivas ou negativas.
- O tempo online, isoladamente, não é boa medida do efeito. Este efeito vai ser dependente do tipo de conteúdo, da intenção com que se usa, e das características pessoais da criança e do adolescente.
- Antes de limitar ou castigar, como medidas únicas, temos primeiro de olhar para o nosso próprio comportamento como exemplo, compreender o uso que é feito e negociar os limites, supervisionar e ensinar.
Não tive oportunidade, na comunicação, de responder a uma das perguntas que me deixaram, que era “como podemos ajudar os nossos filhos a usar melhor as redes sociais?”. Mas gostava de responder aqui, porque é verdadeiramente importante estabelecermos uma ponte de confiança e respeito mútuo com os nossos filhos neste aspeto. Em primeiro lugar, conheçam bem as redes sociais. Aprendam sobre elas. Façam esse esforço de se aproximarem, porque só assim é que os vossos filhos vão reconhecer como válida a vossa supervisão, sem o despotismo do “É assim porque eu mando, e isso das redes sociais só te faz mal!”. De igual forma, não se limitem a cingir o tempo que eles passam online, ofereçam alternativas. Não basta dizermos “Larga já isso e vai fazer qualquer coisa de produtivo”. Substituam esse depreciativo “qualquer coisa de produtivo” por atividades reais, em família, com os amigos. E lembrem-se, se ainda não pensaram nisso, que é tão, mas tão fácil para os adolescentes criarem vários perfis – um “falso” para vos mostrarem, e outro “verdadeiro” para se manterem em contacto com os amigos. Em segundo lugar, transmitam aos vossos filhos que os valores essenciais - respeito, privacidade, solidariedade - se mantém nas redes sociais. Não é por estarmos no mundo virtual que isso nos dá direito a humilhar alguém, a ser indelicado ou mal-educado. Da mesma forma, nem tudo o que fazemos diariamente tem de ser, ou deve ser, exposto nas redes sociais (e isto vale para pais e filhos, precisamos de ser um bom exemplo nesse sentido!). E finalmente, percebam com eles o que é que realmente eles fazem no tempo em que estão ligados, negoceiem o tempo online para timings que sejam aceitáveis e de forma que não prejudiquem atividades estruturadas, ou o sono.
A mensagem final que eu gostaria de deixar é que não vivemos num mundo sem tecnologia, por isso não vale a pena fazermos como a avestruz e enfiarmos a cabeça na areia e fingir que a internet não existe, ou que só nos traz coisas más. Há que usar a tecnologia no que esta nos dá de melhor, e não deixar é que seja essa mesma tecnologia a usar-nos.
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