Já disse, e volto a repetir. Caracteriza-me uma grande dificuldade em separar o que é da "Pediatria", do que não é da "Pediatria". Talvez porque a "Pediatria" faz parte de mim. Já não a consigo descolar, para o bem e para o mal. E procurando a definição no dicionário, aquilo que surge é "A Pediatria é o ramo da Medicina que trata da saúde e dos cuidados médicos do bebé, criança e adolescente desde o nascimento até aos 18 anos". Mas o problema comigo, é que eu considero que saúde é muito mais do que a ausência de doença. Para mim a saúde implica saúde física, mental, social, e tudo o que possa contribuir para cada um destes componentes. E por isso, esta semana, fiz um post sobre tolerância. Isto porque acredito que, na sua essência, os valores fundamentais ao ser humano são essenciais em sociedade, e a sociedade é construída sucessivamente pelas diversas gerações. E uma sociedade com saúde, é uma sociedade consciente. Transmitir aos mais novos a importância destes valores (e mais do que ensinar, funcionar como o próprio modelo de aprendizagem, praticando-os!) é contribuir para que todos possamos evoluir em conjunto.
Quando escolhi falar sobre tolerância, não foi sem razão. Tolerância pode ser definida como a "capacidade para admitir modos de pensar, agir e sentir de outras pessoas, ainda que sejam diferentes dos nossos". Será talvez uma das coisas mais difíceis para nós, seres sociais e culturais que somos. Nascemos dotados com a biologia, mas tal qual uma hera, a cultura e a sociedade encontram-se enraizadas e indissociáveis do nosso ser, talvez até já influenciando os processos fisiológicos do nosso corpo. Portanto, as crenças com que cresço fazem parte de mim, e é porventura difícil considerar como aceitáveis pelo menos algumas das características de outras culturas. Porque são sentidas como uma "ameaça" ao familiar, à segurança que me transmite o ambiente próximo que me rodeia.
Resolvi portanto trazer-vos o exemplo de Deeyah Khan. Esta mulher de nacionalidade norueguesa, friso, nascida e criada na Noruega, representa em si uma fusão de culturas, com mãe afegã e pai paquistanês. Aos 17 anos viu-se obrigada a fugir da Noruega, perseguida e repudiada quer pela cultura do país de origem da sua família, quer pela cultura do país que os acolheu. No seu percurso, inicialmente em Inglaterra, e posteriormente nos Estados Unidos, deparou-se com jovens como ela própria, verdadeiramente divididos entre a família e o ambiente onde vive-se cujo sofrimento passa completamente despercebido aos olhos dos que os rodeiam. E resolveu, com o seu "super-poder", contar as suas histórias.
Contou primeiro a história de Banaz, uma adolescente de 17 anos, curda, a viver em Londres, forçada a casar com um homem que abusava dela fisicamente. Quando procurou o apoio da família, foi-lhe recomendado que retornasse a casa, e procurasse ser uma esposa melhor. Sem compreensão por parte da família, acabou por deixá-lo, e encontrou um homem que amava, e que a amava de volta. Pouco tempo depois desapareceu, para ser encontrada 3 meses depois, estrangulada e espancada até à morte, enterrada numa mala no jardim da casa da família, a mando desta. E o mais grave foi que Banaz recorreu à polícia inglesa 5x antes de morrer, porque sentia que estava em risco de vida, e foi sistematicamente ignorada.
Outro documentário de Deeyah envolveu a entrevista de terroristas e extremistas condenados nos Estados Unidos da América, durante dois anos. Procurava monstros. Porque teriam de ser monstros, para serem capazes das atrocidades que lhes eram atribuídas. Porque era mais fácil acreditar que eram monstros. E descobriu seres humanos em sofrimento, despedaçados, quebrados por anos de conflito entre as suas heranças familiares e os valores diferentes da sociedade que os acolhia. E na realidade, o que os grupos extremistas fazem para cativar estes jovens é canalizar estes sentimentos de "não pertença" para a violência, em prol dos seus próprios objetivos. Prometem-lhes que a vida deles terá significado, que farão feitos heróicos, que pertencerão finalmente a uma família, e que a vida deles tem, finalmente, uma missão. E digam-me, quem de entre nós não quer ser aceite, e amado, nesta vida?
Portanto, convido-vos a ver o vídeo em que Deeyah explica tudo isto, e que não é nada mais do que um grito para o acordar da sociedade. Não mais podemos estar separados uns dos outros, porque a multiculturalidade está cada vez mais presente nas nossas vidas. E só se verdadeiramente abraçarmos o valor da tolerância é que podemos começar a criar pontes de compreensão mútua, de respeito pela diferença, mas também de justiça. Não há seres humanos de 1ª e 2ª categoria. Ninguém deve ser discriminado pela cor da sua pele, pelas suas origens, pela sua religião. Quando educarmos as nossas crianças na ideia de que as nossas diferenças, na realidade, são fontes de riqueza cultural e social, estarão dados os primeiros passos para que deixemos de precisar de falar em tolerância, porque na realidade, ela estará dentro de nós.
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