Começo por advertir o leitor - prossiga por sua conta e risco. Nos próximos parágrafos, caso decida ler estas palavras e seguir em frente, irei explicar porque me expus ao risco de escrever este post.
Anuncio ainda um conflito de interesses. Que é o de não ter conflito de interesses. O meu único conflito permanece a ser contra a iliteracia, a desinformação, o negacionismo, e a irracionalidade.
Não sou virologista. Não sou infecciologista. Não sou epidemiologista. E para que conste, não sou, decididamente, perita em vacinas. Sou médica, sou pediatra, e gosto de pensar que me tento informar sobre o que possa ajudar os meus meninos e as minhas famílias a tomar as melhores decisões em relação à saúde. E isso, no que respeita à vacinação COVID-19, obrigou-me (e muito obrigado por isso, parar de estudar é morrer para a ciência) a procurar informação cientificamente fundamentada.
Já me assumi previamente como adepta das vacinas. Não é segredo, e como poderia ser? As vacinas são uma das conquistas da ciência moderna que mais contribuem para salvar vidas. Se podemos proteger a população de doenças reais, doenças que matam, doenças que causam deficiências graves, qual o motivo para não o fazermos?
E particularmente neste aspeto, devo dizer que foi a experiência que a ciência já possuía com a produção de vacinas que fez com que a vacina contra o COVID-19 pudesse estar disponível num verdadeiro tempo recorde.
Para clarificar um pouco este processo, talvez interesse saber que as vacinas são produzidas passando por diversas fases, que obviamente se destinam a garantir a sua segurança, e também a eficácia. Sim, habitualmente a transição entre estas fases demora anos, mas no caso concreto da vacina COVID-19 esta progressão foi acelerada de uma forma sem precedentes, para meses, sem que os escrupulosos critérios relativos à segurança fossem negligenciados (e esta transição foi rigorosamente controlada por agências dedicadas ao efeito, que por exemplo no caso dos Estados Unidos é a FDA, Food & Drug Administration). Para se transitar entre as várias fases, é sempre necessária a autorização da agência em causa. E porque é que se deu o tudo por tudo na produção desta vacina? Porque rapidamente se percebeu que seria a única forma de controlar a pandemia. E porque é que isto foi possível? Porque havia já a experiência desenvolvida em vacinas contra outros coronavirus (SARS-COV-1 e MERS-COV). Assim, ao contrário do que às vezes é dito, não foram ultrapassados passos de segurança para produzir esta vacina mais rapidamente.
Depois, propriamente em relação às vacinas. A vacina da Pfizer demonstrou uma eficácia elevada contra a infeção sintomática em adolescentes entre os 12 e os 15 anos (1983 adolescentes, eficácia 100%, CI 95%), e a imunogenicidade não foi inferior ao grupo dos 15-25 anos. O perfil de efeitos secundários também foi comparável ao do grupo dos mais velhos. Os dados reais, no terreno, mostraram uma eficácia contra a infeção entre 64 a 99%, e contra a hospitalização em 87-97%. Portanto, a vacina foi efetivamente testada em adolescentes, e a autorização de emergência para o seu uso nesta população não foi feita "às cegas". Até à data, foram já vacinadas nos EUA 9 milhões de crianças, sem óbitos a declarar. E vários países, para além dos EUA, estão já a vacinar os adolescentes entre os 12 e os 17 anos: França, Itália, Suíça, Noruega, Espanha, Áustria, Dinamarca, Israel, Japão, China, Canadá, Hungria, Estónia...
A seguir, vamos à doença propriamente dita. Já foi dito por diversas vezes que a doença causada pelo COVID-19 na idade pediátrica é caracteristicamente mais benigna que no adulto, mas ainda assim as crianças e adolescentes podem ter doença grave, e apresentar complicações como a síndrome inflamatória multissistémica, ou o que se denomina de "long COVID", que é uma forma de doença prolongada. Nos EUA, verifica-se atualmente que, com a variante Delta, se tem assistido a um aumento do potencial de contágio, e da doença mais grave. Há crianças saudáveis a serem hospitalizadas, a necessitarem de cuidados intensivos, e a morrer, e não apenas crianças com comorbilidades. A vacina reduz a transmissão da doença em 50 a 80%, diminui a carga viral em caso de infeção, e os dias de potencial contágio. Ao vacinarmos, estamos a reduzir ainda a probabilidade de emergirem novas mutações do vírus (como é o caso da variante Delta, já falada), por reduzirmos a transmissão viral. Não sabemos até que ponto estas mutações podem levar a variantes que sejam não só mais contagiosas, mas causadoras de doença mais grave.
Agora, o risco de miocardite e pericardite. Sim, é real. A estreita monitorização de efeitos adversos das vacinas identificou prontamente um aumento do nº de casos de miocardite e pericardite em indivíduos vacinados, entre os 12 e os 29 anos, predominantemente do sexo masculino, e mais frequentemente após a segunda dose. A maioria foram casos ligeiros, e todos com resolução em uma semana. Não é demais referir ainda que a infeção COVID pode causar, só por si, miocardite ou pericardite (à semelhança do que acontece com vários outros vírus).
Finalmente, o toque final. Já repararam, decerto, que o ser humano é um ser social. Por muito mal que nos tenha feito o confinamento, gostava de pensar que nos tinha ensinado que não conseguimos viver uns sem os outros. Os adolescentes não vivem isolados. Têm pais que têm obesidade grave, têm avós com hipertensão arterial, vão à escola onde há professores com doença oncológica, e têm um amigo com deficiência imunitária. E eles sabem isso. Convido-vos a sentarem-se com os vossos filhos adolescentes, explicarem-lhes o que está em causa, e ouvirem o que eles têm a dizer. Penso, ou até sei, que irão ficar surpreendidos com a maturidade e o desejo de ajudar que eles vos irão manifestar. Que melhor propósito podemos ter senão ensinar a esta geração que nos segue, que a solidariedade para com o próximo é o motor de toda a nossa civilização? Os meus filhos não sobrevivem se todos à sua volta morrerem. Portanto, as ações que tomarmos hoje serão o nosso futuro de amanhã. Se me perguntam onde estaremos daqui a 10 anos? Direi que não sei, mas que o futuro não só aos jovens, mas a todos, pertence.
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