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A história dos bebés suíços


Há muito, muito tempo atrás, numa altura em que ainda eram as cegonhas a trazer os bebés para o regaço das suas famílias, os humanos resolveram reunir-se para tomar uma decisão muito importante – de onde mandariam vir os bebés. A cada 100 anos tinha lugar uma assembleia, em que se juntavam um representante de cada povo do nosso planeta Terra, para eleger o bebé ideal. Não poderia haver falhas, pois cada representante sabia que todos os pais desejam o bebé perfeito, e por isso cada um assumia o compromisso de encontrar esse bebé perfeito.

Naquele dia que parecia estender-se até não ter fim, cada povo apresentava as melhores características dos seus bebés – se eram bem dispostos, se os intestinos funcionavam bem, se tinham mais ou menos cólicas, se sorriam ficando aquelas covinhas nas bochechas redondinhas... e não raras vezes era difícil eleger-se o bebé ideal, pois cada um tinha as suas próprias ideias do que era mais desejável, e importante. Mas naquela assembleia, apresentou-se pela primeira vez um bebé de que não havia memória anterior – o bebé suíço. O bebé suíço era diferente de todos os que eram conhecidos até à data. O bebé suíço comia invariavelmente de 3 em 3 horas, fazia cocó depois de cada refeição, e vinha com a garantia de tirando os primeiros 3 meses de vida (em que acordaria invariavelmente de 3 em 3 horas para mamar), depois iria dormir a noite inteira. Não bolçaria se fosse colocado em posição mais vertical depois das refeições, e arrotaria com facilidade assim que colocado na referida posição. Também não teria cólicas, desde que assegurado pelo cuidador uma massagem diária matinal na barriga, no sentido dos ponteiros do relógio (e aqui era chamado bem à atenção, tinha de ser todos os dias, e no sentido dos ponteiros do relógio). Outra das vantagens apontadas ao bebé suíço era o facto de se assim ensinado pelo cuidador, nunca adormeceria à mama, mas unicamente quando pousado, sozinho, no seu berço, aguardando tranquilamente a saída dos pais do quarto e o seu cumprimento de boa noite, antes de mergulhar num sono profundo. E porque o desenvolvimento do bebé era uma preocupação muito importante, era ainda garantido que o bebé gatinharia profissionalmente nos 4 apoios aos 9 meses, daria os primeiros passos justamente no dia do seu primeiro aniversário, e aos 2 anos de idade faria frases com duas palavras, que maravilhariam toda a sua família. O fornecedor garantia ainda que cada bebé fosse fornecido com um espetacular manual de instruções, com ficheiros áudio incluídos com cada tom de choro do bebé, para que nunca mais nenhum pai tivesse dificuldade em interpretar o que cada tipo de choro do bebé significava.

Durante a apresentação das características do bebé suíço, toda a assembleia ouviu com espanto, e entusiasmo crescente. Porque é que nunca ninguém tinha proposto um bebé suíço antes? Este bebé era 100% previsível, e isto significava que todos os pais ficariam sempre tranquilos, porque saberiam sempre o que esperar, em cada hora, minuto, e segundo da sua vida. Todos os representantes foram unanimes – o bebé suíço era a solução para os próximos 100 anos, quiçá para toda a eternidade! E depois da votação, cada um voltou para o seu país, levando a promessa aos pais de que em breve todos os bebés entregues pela companhia das cegonhas seriam suíços.

A animação era grande, assim que começaram a chegar os primeiros bebés suíços. E nos primeiros tempos, tudo parecia correr maravilhosamente bem. Todos estavam satisfeitos com os seus novos bebés, era raro ouvir-se um choro proveniente de qualquer uma casa, e os pais andavam felizes. Contudo, cedo começaram a surgir alguns problemas. Um dos primeiros foi a troca de bebés. Os bebés eram tão, mas tão semelhantes, que os próprios pais tinham dificuldade em conseguir distingui-los, o que levou a que em infantários, parques infantis, e até supermercados, fossem trocados alguns bebés. O segundo problema foi quando os pais se começaram a aperceber que, quando diziam algo que achavam que era único do seu bebé, o bebé dos seus amigos era exatamente igual! Nada os tornava únicos, diferentes, especiais. Todos faziam exatamente as mesmas coisas, nas mesmas alturas, da mesma forma. E não demorou nem um ano até que fosse exigida uma nova assembleia aos representantes dos povos, e nunca mais se quis ouvir falar de bebés suíços.


Trago-vos aqui hoje a história dos bebés suíços, porque pretendo que chegue a todos os pais. Não é de todo infrequente receber pais nos consultórios com dúvidas sobre a normalidade dos seus bebés, apenas porque não são iguais aos restantes. Pais a quem alguém, se calhar, “enganou” quando disse que “os bebés é suposto dormirem a noite inteira”. Pais a quem alguém, se calhar um amigo próximo, contou a sua experiência pessoal de que o seu bebé é como um santo, é só deitá-lo no berço e deixá-lo ficar, que ele rapidamente adormece sozinho. Pais a quem alguém, se calhar uma vizinha que já criou 6 filhos, 3 netos e 15 sobrinhos, disse que só podem comer de 3 em 3 horas, e não vale a pena dar mama antes porque se não ficam viciados e é o completo desastre. Pais a quem alguém, se calhar numa qualquer rede social, assegurou que era melhor não deixar dormir os bebés muito de dia, porque senão ficam com os sonos trocados. Pais que estão perdidos, no meio de tanta informação e opinião. E com medo de não fazer o melhor pelos seus filhos.

Eu quero que saibam isto - o vosso bebé é único. Resulta da mistura impossível de ser replicada entre o melhor do pai, e o melhor da mãe. Portanto, é incomparável a qualquer outro. E ainda vos digo mais, nunca ninguém foi mãe, ou pai, do vosso filho. Portanto, esse papel cabe-vos única e exclusivamente a vós. Tenham confiança nas vossas capacidades, e também nas do vosso filho. O vosso bebé não nasce sem os recursos que a natureza achou necessários para assegurar a sua sobrevivência. Ele, melhor que ninguém, sabe as suas necessidades. E os pais, ninguém mais, são os melhores leitores destas necessidades. Eu sei que no início pode parecer assustador, aquela mistura de sensações e emoções como o amor, a ansiedade, o medo, o cansaço, a esperança, a ternura, o desespero...mas não há bebés suíços, felizmente só nesta história, e não na vida real. Porque os bebés, na sua generalidade, devem comer quando têm fome, devem dormir quando têm sono, andar quando para isso estiverem preparados... não quando alguém diz que sim, só porque “é suposto”. Ou “porque está na hora”. Ou “porque senão vem aí o apocalipse”. E não tenham receio do choro. É, na sua essência, mais uma das formas de comunicação do vosso bebé. E não lhe causará nenhum dano, se a sua necessidade for atendida. Lembrem-se que a dança entre os pais e o seu bebé é única, move-se ao seu próprio ritmo, entre o conhecimento e respeito mútuos graduais, e também por entre tentativas e erros. Ouçam mais o vosso bebé, e os vossos instintos, do que a opinião dos outros. Aprendam a confiar mais no vosso bebé, e em vós, que nos outros. E se, se sentirem que precisam de alguma ajuda, isso também está bem, mas procurem-na junto de quem melhor competência terá para vos aconselhar.

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