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Quando se morre de “fome” com pão na mão


Gostava de falar convosco hoje de relação.

Da maneira como nós, humanos, desenvolvemos relações, e da importância destas no futuro. Saliento que, como todos vocês sabem, não sou psicóloga nem psiquiatra ou semelhante, sou como sabem pediatra, e a minha reflexão aqui decorre do que leio, e vejo diariamente no contacto com as famílias.

O nosso cérebro é uma autêntica malha de fios entrelaçados, que começa a desenvolver-se bastante antes do nosso nascimento, na vida intrauterina. Aqui falamos de estrutura basicamente, ou seja, como fazer os alicerces para então sustentar 4 paredes sólidas e um telhado. Ao nascimento toda a estrutura da casa está presente, no nosso cérebro, e a partir daí começa a decoração do espaço, em que vamos selecionando as peças que colocamos, consoante a necessidade, o gosto, e a possibilidade também. E vamo-nos construindo, efetivamente, com as experiências que temos. Somos então, não mais mas também ao mesmo tempo tanto, um produto dos nossos genes e da sua interação com o que nos rodeia.


Aqui entra a Teoria da Vinculação, que era sobre o que vos queria falar. Se calhar alguns estarão mais familiarizados com o termo “vinculação”, e outros nem saberão do que se trata. Mas como acho que é um conceito extraordinariamente importante, aqui fica a minha tentativa de o explicar. Há algum tempo, na primeira metade do século XX, o bebé e a criança pequena eram vistos como seres que se ligavam e relacionava com a mãe apenas pela satisfação das suas necessidades fisiológicas. Quando Bowlby, na segunda metade desse século, lança os fundamentos da Teoria da Vinculação, a perspetiva fica muito mais abrangente – afinal, o ser humano nasce com uma predisposição que o motiva a procurar a proximidade, muito para além da simples satisfação de necessidades como a alimentação, ou o calor.



Querem saber uma das experiências mais interessantes nesse sentido? Um senhor chamado Harlow fez a proeza de separar macacos recém-nascidos das mães, e colocou-os num ambiente em que havia duas mães “substitutas”. Uma delas era feita de ferro, e a outra de pano macio. Ambas tinham um biberão. Quando dada a escolha aos macacos recém-nascidos, estes passavam significativamente mais tempo “agarrados” à mãe de pano, mesmo quando se retirava o biberão a esta, e só a mãe de ferro os podia alimentar. Ou seja, a relação vai muito para além da satisfação de necessidades fisiológicas básicas, claramente.

Bom, então nascemos com a procura intrínseca de estabelecer uma relação emocional profunda, e duradoura, que nos ligue a outra pessoa, ligação essa que se prolonga no tempo e no espaço. Geralmente esta figura é a mãe, mas não tem necessariamente de o ser, ok? Depois existe alguma discussão na comunidade se há apenas uma figura de vinculação, ou se existe uma hierarquia de figuras à qual a criança se vincula, mas a questão principal é que é esta vinculação primária que, variando entre segura ou insegura, vai repercutir-se ao longo de toda a nossa vida.

Então como é que isto se processa? O bebé, e a criança pequena, procuram a proximidade em relação a esta figura primária que funciona como um pilar de tranquilidade e proteção que permite que a criança explore o seu meio envolvente, até ter alguma sensação de ameaça do mesmo. Perante isto, a criança volta à “base”, e procura a segurança oferecida pela mãe (vamos assumir isto, a figura da mãe, por ser o mais frequente e para efeitos de simplificar a explicação). Esta base é sempre o abrigo seguro da criança, e à medida que a criança se afasta, existe um ponto a partir do qual gera ansiedade, pela distância gerada em relação à mãe. Da mesma forma que existe uma resposta natural na separação da mãe, com comportamentos como gritar, chorar, ou outros que são na realidade uma manifestação da ameaça que esta separação tem sobre a ligação estabelecida.


E porque é que isto é tão, mas tão extraordinariamente importante na vida das nossas crianças? Porque a maioria dos estudos revela que este processo faz-se principalmente nos três primeiros anos de vida. Ou seja, a satisfação e realização desta vinculação, até aos 3 anos, tem impacto sobre o resto da nossa vida.

Se eu realizo este processo de forma segura, se me vinculo à minha mãe, vou-me sentir confiante para explorar o que é novo, e vou desenvolver mecanismos saudáveis de lidar com situações desafiantes, ou mais stressantes. E vou conseguir, no futuro, estabelecer relações gratificantes com as pessoas que passem no meu caminho. Se, pelo contrário, este processo ocorre de forma insegura, vou ficar desorganizada, mais exposta e vulnerável a situações de stress, e potencialmente menos capaz de estabelecer relações sólidas com quem contacto no meu futuro.


E em que é que tudo isto tem importância para nós, mães? Porque somos, desde o início da vida dos nossos bebés ainda na nossa barriga e principalmente nos três primeiros anos de vida dela, o “passaporte” para construir um ser sólido e seguro, auto-confiante e resiliente, tendo como base o amor e o afeto. Atentem bem nesta ideia, o que fazemos nos três primeiros anos de vida deles é importantíssimo. Amor e afeto, sobrepõe-se a pão e calor. Viver sem os últimos claramente não é possível, mas ainda assim o ser humano privilegia o amor e o afeto. Porque viver sem estes últimos, com toda a probabilidade, mata-nos por dentro.

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