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Socorro, o meu filho está sempre doente!


É que não há volta a dar. Nesta altura do ano, multiplicam-se os pedidos de ajuda dos pais, aos seus médicos assistentes, pela sensação de que os seus filhos estão constantemente doentes.

Tipicamente estamos a falar de bebés e crianças entre os 6 meses e os 3-4 anos de idade, que frequentam o infantário ou o pré-escolar (podem ter entrado recentemente, ou estar há mais tempo), e a maioria das intercorrências infecciosas relacionam-se com infeções respiratórias altas (as vulgares constipações) ou infeções gastrointestinais (as típicas gastroenterites). Pelo meio surgem as bronquiolites, as otites, as amigdalites, os exantemas da infância (varicela, doença pés mãos boca…). Um rol de nomes de doenças que deixam as crianças e os pais exaustos, e à beira de um ataque de nervos. Compreensivelmente, se tivermos em conta que em situação de doença é provável que a criança não só durma pior, mas também coma pior, o que leva a uma privação também de sono dos pais (e todos sabemos a falta que o sono nos faz!!) e à preocupação com o impacto no crescimento e desenvolvimento da criança.


Então, vamos por partes. Antes de mais, é importante eu dizer que as explicações que vou aqui dar serão verdade para a grande maioria das crianças, mas que têm de ter noção que existirá um grupo menor de crianças em que as infeções repetidas poderão ser manifestação de algum tipo de deficiência imunitária (uma das grandes preocupações dos pais), ou algumas crianças em que a frequência e/ou a gravidade das infeções nos pode levar a fazer aconselhamentos diferentes, por isso é sempre importante ter um bom relacionamento e confiança no médico assistente da vossa criança, que será quem melhor vos conhece.


O que são crianças com infeções recorrentes? São crianças que apresentam um número elevado de infeções, com maior gravidade, ou com duração prolongada. E a definição exata diz-nos que serão duas ou mais infeções graves no espaço de um ano, três ou mais infeções respiratórias num ano (sinusite, otite, bronquiolite), ou necessidade de antibiótico durante dois meses/ano. Não choca perceber que muitas das crianças “saudáveis” irão preencher estes critérios. A questão mais importante é perceber destas, quais são aquelas que têm probabilidade de ter algum problema subjacente, como deficiências imunitárias, situações que favorecem determinadas infeções, ou a presença de uma doença que falsamente tenha as mesmas manifestações de uma doença infeciosa. Parece difícil, não é? Não desesperem, o vosso médico está lá para ajudar.


Então, a criança típica “normal” que apresenta estas infeções recorrentes é aquela criança que tem um episódio e em fase aguda vai comer pior, dormir pior, estar menos ativa, mas que recupera em alguns dias e volta ao seu estado de apetite e comportamento habituais. Depois, passado uns dias ou semanas, volta a apresentar novamente sintomas de doença, com as mesmas características. Continua a crescer bem mesmo com estas infeções, volta ao seu estado habitual no intervalo (e por vezes até compensa, no que diz respeito ao apetite), e apresenta um desenvolvimento adequado para a sua idade. Posso dizer-vos, em termos de números (todos gostamos muito de números) que a criança “mediana” tem quatro a oito infeções respiratórias por ano. Depois há aquelas que vão ter uma a duas por ano (sortudas, na maioria porque não têm grande multiplicidade de contactos) e as que vão ter dez a doze (particularmente as que têm irmãos mais velhos, ou as que frequentam infantário). E se tivermos em conta que a duração média de cada quadro viral é de cerca de oito dias (mas pode ir até duas semanas), e se fizermos as contas, chegamos à conclusão que a criança dita “normal” pode estar doente praticamente metade de um ano inteiro. Parece pouco normal, não parece? Mas é assim.


Porque é que são tão frequentes estes episódios de doença recorrentes, principalmente quando as crianças frequentam a creche? Porque a maioria das infeções na criança são de natureza viral, e como tal, com contágio fácil entre crianças. E quando as crianças vão para a creche pela primeira vez, a maioria delas ainda teve pouco contacto com estes agentes, o que leva a que façam uma “aprendizagem imunológica intensiva”. Reparem, temos várias crianças a coexistir grande parte do dia num espaço fechado, a utilizar os mesmos brinquedos, facilitando os grandes meios de contágio destas doenças – o contágio por gotículas respiratórias e pelo contacto com objetos contaminados. É evidente que algumas medidas simples, como a lavagem de mãos, ou evitar que crianças doentes frequentem a creche, irão reduzir a transmissão de infeções, mas a verdade é que mesmo assim, algumas crianças estão assintomáticas já em fase em que são capazes de fazer contágio (como acontece por exemplo no caso da varicela), da mesma forma que em constipações simples acaba por parecer um pouco drástico (e incomportável!) retirar a criança da creche.


De seguida, vamos à preocupação em relação à deficiência imunitária. Como o nome indica, são situações em que o organismo tem alguma alteração a nível das estruturas que fazem a sua defesa (e são muitas!!), e que consoante o tipo de estrutura/célula afetada, dão sinais e sintomas diferentes. Estas situações não são assim tão frequentes, mas há alguns sinais de alerta:

- Quando há história familiar de doenças imunitárias

- Quando as infeções se acompanham de atraso do crescimento ou do desenvolvimento da crianças

- Quando as infeções são suficientemente graves para justificar internamento hospitalar e/ou administração de antibiótico endovenoso

- Mais do que 6 infeções respiratórias altas ou otites no espaço de um ano (avaliar caso a caso!)

- Duas ou mais pneumonias ou infeções sinusais graves no espaço de um ano

- Infeções causadas por agentes (bactérias, fungos) não habituais, ou em localizações não habituais

- Diarreia crónica

Estes são alguns dos sinais que podem justificar uma avaliação mais cuidada da criança, mas novamente, sempre indicada pelo seu médico. Lembrem-se que apenas 10% das crianças com infeções recorrentes irão ter alguma forma de imunodeficiência, ou seja, 90% são perfeitamente normais. E não é isso que todos queremos ouvir, pelo menos neste contexto, que os nossos filhos são normais?


Bom, queria deixar-vos com este texto, para tentar tranquilizar os vossos corações. Eu sei o que é passar por períodos frequentes de doença dos filhos, e ter medo de que algo de errado se passe. Mas o mais provável é mesmo que não se passe nada, que a vossa criança seja perfeitamente normal, e que esteja apenas a fazer a aprendizagem imunológica que felizmente depois a deixará mais preparada para responder a (pelo menos) estas ameaças. E já sabem, na dúvida, consultem o vosso médico assistente. Ele está preparado para reconhecer as situações que poderão precisar de mais alguma avaliação. E vamos esperar pela altura do Verão, em que com as crianças em casa e o bom tempo, felizmente muitas destas “infeções recorrentes” dão-nos um pouco de descanso!

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