Está a par dos desafios que circulam entre os adolescentes nas redes sociais? Provavelmente já terá ouvido falar de alguns, principalmente dos que infelizmente ganharam notoriedade por se associarem a casos mortais. Surpreende-o que possam morrer adolescentes assim? Então é mesmo para si que eu estou a escrever este artigo.
Parece que o estou a ouvir aí desse lado – “só parvoíces, isso é coisa de quem não tem mais nada que fazer...” ou “é preciso ter grandes problemas para fazer coisas dessas...”. Só que... não.
Ao longo dos próximos parágrafos vou tentar explicar um pouco, para pais e adolescentes, o motivo pelos quais estes desafios podem ser mais apelativos para esta faixa etária, como tentar que os nossos filhos reconheçam os perigos associados a estas situações, e quais são efetivamente os desafios a correr atualmente nas diversas redes sociais.
Em primeiro lugar, devo dizer que é mesmo muito importante que os pais, educadores e os próprios adolescentes se mantenham a par sobre estes movimentos, que estão praticamente sempre em mudança. Alguns correm nas redes há já vários anos, mas podemos dizer que não há limites para a criatividade dos jovens porque vão-se multiplicando novos desafios, rapidamente difundidos pela globalização das tecnologias digitais.
Acha que estes desafios são algo novo, ou uma consequência das redes sociais? Pense outra vez. Muitos deles têm raíz na tentativa dos adolescentes serem aceites pelos pares, e dessa forma entrarem em sociedade, numa prova de virilidade, destreza, confiança... Só que isto não é, de forma nenhuma como possam pensar, uma novidade. Algo semelhante tem lugar, em várias culturas, há dezenas de milhares de anos. Chamam-lhe “ritos de passagem”, tradições que marcam a transição entre a infância/adolescência e a vida adulta, e conhecemos muitos que colocavam em risco a saúde, e até a própria vida dos intervenientes. Dou-vos como exemplo a tribo dos Vanuatu, em que as crianças de 8-9 anos eram amarradas pelos pés e tinham de saltar de uma torre de 30 metros, num mergulho a cerca de 70 km/h, que quando terminava bem levava a que a criança encostasse com os ombros e a cabeça no chão. Quando corria mal... bem, a imagem não devia ser muito bonita. Ou o caso dos índios alconquinos, que enjaulavam os garotos e davam-lhes uma substância alucinogénia (100x mais forte que o LSD!!!), num ritual que tinha como objetivo esquecerem as suas lembranças de infância, para entrarem na idade adulta. Todos olhamos para estas experiências (culturais!) e facilmente compreendemos que para nós não só não fazem sentido, como colocam as crianças e adolescentes em risco de lesões graves, ou de morte. Mas aconteciam. E em algumas culturas, ainda acontecem. O terem transitado para as redes sociais é apenas um reflexo dos novos tempos, de uma cultura cada vez mais global, e da rapidez de difusão que estes sistemas oferecem. O que também, só por si, é um perigo.
Então e porque é que particularmente os adolescentes são mais propensos a embarcar neste tipo de desafios? Não nos apressemos a dizer que são “imaturos”, “não anteveem consequências”, “não distinguem o certo do errado”. Vamos antes entrar na mente, e compreender o que se passa na cabeça do nosso filho adolescente. Então é um dado mais do que adquirido que o cérebro está em intensa transformação na adolescência, que se prolonga até ao adulto jovem. Uma das características do cérebro adolescente é a constante procura de experiências que causem prazer/recompensa rápida, causada pela ativação dos circuitos que funcionam com um neurotransmissor específico, que é a dopamina. Esta característica tem essencialmente três resultados, que devemos saber:
1) a impulsividade, que faz com que o adolescente adote um dado comportamento sem um momento de pausa que poderia levá-lo a considerar outras consequências menos boas dessa ação
2) o aumento da susceptibilidade a comportamentos aditivos (abuso de drogas, comportamentos aditivos como abuso de videojogos, ou dependências), que funcionam aumentando a libertação da dopamina
3) a hiperracionalidade, ou seja, um pensamento literal em que uma dada situação é reduzida a simples factos, falhando-se em ver a imagem como um todo. Desta forma, o adolescente mais facilmente reconhece os prós de tomar determinada ação, do que os contras, e o cérebro adolescente atribui mais valor ao que pode obter, do que aos resultados negativos que podem acontecer. Em síntese, vale a pena o risco. Reparem, existe noção do risco, contudo. E esta hiperracionalidade ainda pode ser mais acentuada se o adolescente tiver noção de que está a ser visto, a ter atenção dos outros com esta ação.
Isto é pura fisiologia do desenvolvimento, e se calhar ajuda-nos a compreender um pouco melhor o facto de alguns destes desafios se tornarem literalmente virais, ou seja, de induzirem os adolescentes a repetir estes comportamentos que veem os seus pares a adotar. Porque são impulsivos, e não fazem aquela pausa que lhes permite pensar nas consequências. E também porque, mesmo pensando nas consequências, vale a pena o risco, e ainda mais se for filmado e colocado online, provando aos outros que também ele pertence, que também ele foi capaz.
E agora, conheçam um pouco dos desafios (e dos riscos deles!) que circulam atualmente mais nas redes sociais, sendo o TikTok efetivamente uma das redes que mais tem desempenhado um papel na divulgação e virilização dos mesmos. Só sabendo o que existe online é que nós, pais e educadores, podemos falar claramente e com conhecimento de causa sobre o assunto.
Desafio do desodorizante – este desafio é na realidade uma competição para ver quem consegue inalar a maior quantidade e por mais tempo, o aerossol presente nos produtos. O problema é que estes aerossóis têm frequentemente substâncias irritantes, como álcool, ou alumínio, que podem causar lesões graves às vias respiratórias.
Desafio do cotonete – desafio em que os adolescentes fumam cotonetes, como de se cigarros se tratassem. Para além do risco de queimaduras, fumar substâncias carbonizadas é um fator de risco para o desenvolvimento de cancro. Para além do facto que alguns adolescentes ainda misturam outras substâncias no cotonete, o que acresce ao risco.
Desafio da fita cola – neste desafio o objetivo é dormir com a boca fechada com uma simples fita cola. Pode parecer algo relativamente inofensivo, e o facto é que quando há uma respiração nasal sem obstáculo, esta permite manter a função respiratória. Mas em casos em que possa haver alguma perturbação desta função, e em que a pessoa faça uso da boca para respirar (como é o caso do síndrome de apneia obstrutiva do sono), pode ser perigoso.
Desafio da auto-asfixia (“blackout challenge”) – este desafio consiste em induzir o estrangulamento, que reduz os níveis de oxigénio no cérebro, levando à perda da consciência. Foi notícia recentemente na sequência da morte de um adolescente inglês, que aparentemente foi encontrado em morte cerebral no quarto após entrar num destes desafios. Uma outra versão deste desafio resulta da hiperventilação espontânea, que reduz rapidamente os níveis de dióxido de carbono, levando no extremo ao desmaio. Enquanto na maior parte das situações, principalmente se desencadeadas pela hiperventilação, existe uma recuperação posterior dos níveis de oxigénio e da consciência, noutros casos (e particularmente em situações de auto-estrangulamento) as coisas podem não correr como planeado, e resultarem lesões cerebrais graves pela falta de oxigénio, ou até mesmo a morte, como visto.
Desafio da água quente – existe em duas vertentes – a primeira é surpreender um amigo e despejar-lhe água a ferver em cima, a segunda é beber água a ferver (funciona como superação pessoal e afirmação de valentia). Resta dizer que podem resultar queimaduras extremamente graves do contacto da água a ferver com a pele, ou das mucosas.
Desafio da canela – o objetivo é que as pessoas engulam uma colher de canela, sem beber água. Apesar da canela ingerida não ser de forma nenhuma perigosa, o que pode causar lesões graves é a inalação da mesma, por acidente (e é extremamente frequente).
Estes são apenas alguns dos desafios que se calhar já apareceram nos ecrãs dos vossos filhos, sem vocês darem por ela. Mas agora já não têm desculpa, já sabem. Falar com eles de forma clara sobre a existência destas situações, levá-los a pensar já à partida sobre os riscos que têm, é a maneira mais eficaz de prevenir casos mais graves. Como eu costumo dizer, não vale a pena fazer como a avestruz e enterrar a cabeça na areia – porque o perigo continua lá.
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