Olá, meus caros pais, fico contente de continuarem a confiar em mim e a ler estas linhas que escrevo para vos ajudar a “navegar” neste mar imprevisível que é a parentalidade, com todos os desafios e maravilhas que nos empresta, dia após dia. Hoje escolhi trazer-vos algo que já me pediam há algum tempo, porque é para grande parte dos pais fonte de alguma insegurança, ansiedade e por vezes até mesmo angústia – o momento de dizer adeus à chupeta.
Como pediatra, e tendo já seguido tantas e tantas famílias que passaram e estão a passar por este processo, sei bem como esta jornada pode ser emocionalmente desafiante, não só para vós, mas também e principalmente para a vossa criança. Mas tal como em tudo o que tento recomendar, se procurarmos fazer o nosso melhor com empatia e respeito pelos nossos filhos, também este desafio será superado.
(Nota de defesa da autora – não me vou colocar aqui com dissertações acerca dos motivos pelos quais oferecer ou não chupeta ao bebé, que ultrapassam o objetivo essencial deste artigo – que é ajudar os pais que, em alguma altura do seu percurso de parentalidade, acharam que era a melhor opção para os seus filhos, e agora estão no percurso de ajudar a criança a crescer sem ela. Que fique bem claro.)
Para percebermos a potencial dificuldade que dizer adeus à chupeta pode representar para as nossas crianças, convém termos noção dos vários motivos pelos quais este objeto é um dos mais queridos pelos pequenos: a chupeta, “pepê”, ou “chucha”, como é carinhosamente denominada. Ela não é “só e simplesmente” algo que os acalma – é uma verdadeira companheira em quem podem confiar, que lhes oferece sempre conforto, segurança e suporte. Não vos parece então difícil que seja difícil dizer adeus a algo deste género?
A verdade é que na altura em que a maioria dos pediatras recomenda iniciar gradualmente este processo a criança está numa fase do seu desenvolvimento em que começa a procurar a sua autonomia e independência, que é simultaneamente uma altura em que tem de se sentir segura para partir à descoberta de todo um mundo novo. A chupeta pode muito bem ser uma forma de se sentir em controlo e regular todas as suas emoções neste processo de reconhecimento do grande mundo lá fora, ao passo que retirá-la pode deixar uma sensação de insegurança e vulnerabilidade, e ser uma fonte de grande ansiedade para a criança.
Mas então se é algo que oferece tanto conforto à criança, porque é que é importante promovermos esta despedida da chupeta? Bom, a verdade é que chega uma altura em que claramente o seu impacto nas estruturas da face (palato, musculatura, arcada dentária, maxilares) e na sua funcionalidade ultrapassa em larga medida o eventual benefício que possa ter nesta regulação da criança, e porque se acredita que a transição para outros mecanismos de regulação interna e externa possa ser possível, e facilitada pelo adulto. Pelo menos na maioria das crianças. Isto é para salvaguardar alguns casos (não tantos assim, mas existem) em que ainda assim o maior benefício possa pender na continuidade do uso da chupeta. Cada caso é um caso, como eu costumo dizer.
A questão permanece, como podemos promover, como pais, um adeus à chupeta de uma forma respeitadora e empática?
1. Procurar reduzir gradualmente o uso
Não quer dizer que desaparecer com a chupeta de um dia para o outro não traga resultados. Traz, mas na ótica que os fins justificam os meios, sujeitando a criança a um sentimento de perda, incompreensão e sofrimento que não devem ser ignorados. Uma maneira de evitar este tipo de situação é começar por limitar o uso da chupeta a alturas específicas, como por exemplo às sestas e/ou à noite. Neste caso, vamos procurar reduzir o uso durante o dia, em que há mais distrações para a criança e formas de a envolver noutras atividades. Uma estratégia que eu uso na consulta é criarmos em conjunto a “caixa da chupeta”. Será a caixa onde a criança, quando acorda, coloca a sua chupeta, e onde esta vai “dormir” todo o dia, enquanto a criança não precisar dela. E convido sempre os pais a enfeitar em conjunto com os filhos a caixa da chupeta, e garanto-vos que tenho fotografias de caixinhas absolutamente maravilhosas. Esta redução gradual do uso permite à criança ganhar confiança noutras estratégias para regular as suas emoções.
2. Ser compreensivo, e oferecer alternativas
É mais do que compreensível que, durante esta fase, seja difícil para a criança lidar com a ausência da sua chupeta. Quando ela ficar mais ansiosa, ou destabilizada, ofereça um mimo extra. Dê alternativas – leiam o vosso livro favorito, substitua o conforto da chupeta por um peluche ou outro objeto da preferência da criança. Fale sobre a situação – “Eu sei que é difícil estares sem a tua chucha, estás a ser um valente, mas sabes que enquanto a chucha está a descansar na caixa dela, nós podemos fazer isto, ou aquilo”.
3. Faça o reforço positivo
É um grande passo, deixar a chupeta. E já percebemos que é difícil! Por isso, mesmo pequenos progressos devem ser sempre celebrados, são grandes vitórias. Que tal, por cada dia em que a criança consegue ficar sem a chupeta, poder colar mais um autocolante na caixinha da chupeta? Ou fazer um quadro de autocolantes, e por casa dia de sucesso, colar uma cara sorridente, e no final da semana, contarem todas as caras sorridentes e celebrarem essa vitória juntos? Crianças pequenas (até as grandes, adolescentes e adultos!) adoram reforço positivo. Todos gostamos de sentir que estamos a fazer progressos.
4. O adeus final
Depois do dia controlado, e de a criança ter deixado o uso da sua chupeta nesse período, a fase seguinte (e a que, pela minha experiência, mais ansiedade causa) é o adormecer e dormir sem chupeta. Bom, uma estratégia é criar a história à volta do “adeus” à chupeta. Haverá crianças que a gostarão de dar à fada das chupetas, outras ao Pai Natal, outras ao senhor Artur da mercearia, outras até de a plantar no jardim, para depois poder nascer uma árvore ou uma flor onde a chupeta ficou. Seja qualquer uma das histórias que decidam em conjunto, é importante trabalhá-la no vosso imaginário. É quando a criança se sente preparada que a vai “entregar”, e não ser tirada. Seja deixá-la no fundo da cama à noite para a fada das chupetas a vir buscar e deixar algo acordado para recompensar a criança nessa troca, seja ter combinado com o sr. Artur da mercearia quando a criança lhe entregar a chupeta ele dar-lhe algo também em troca, ou então plantá-la no jardim também quando a criança está disposta a isso, e no dia seguinte ter lá uma linda flor. O que vos fizer sentido, e à vossa criança.
5. Funcionar como modelos
Nunca me canso de reafirmar a importância que vocês têm enquanto modelo de comportamento para os vossos filhos. Eles estão atentos a tudo o que vocês fazem, e até ao que expressam emocionalmente, sem o fazerem de forma verbal. Mais do que tudo, perceberem que vocês também têm os vossos desafios na vida, e conseguem superá-los sem a ajuda da chupeta, vai fazê-las acreditar que elas próprias também o conseguirão fazer. Estejam sempre prontos para dizer em voz alta o que sentem, e quão difícil é lidar com grandes mudanças, sendo perfeitamente natural que fiquemos um pouco apreensivos, e até tristes, durante processos de perda.
Lembrem-se sempre, as palavras de ordem nesta despedida da chupeta são respeito, paciência, e empatia pelos sentimentos da criança. Perceberem que o vosso filho é único (acho que vocês já sabem isso), tal como é única e especial a relação que estabeleceu com a sua chupeta, e diferente igualmente a resposta à sua perda. Como um modelo de referência que vocês são, enquanto pais, o apoio e suporte que dão nesta transição fazem toda a diferença. Com amor e carinho, respeito e gentileza, estou certa de que conseguirão ajudar o vosso mais que tudo a despedir-se da sua “chucha”, e abraçar uma nova jornada de independência, autonomia e crescimento. E... felizes dias já sem chupeta, é o desejo desta vossa, pediatra.
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