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No outro dia, estava eu em grupo de amigos (é um karma que eu acho que chega a muitos médicos, os nossos amigos acabam muitas vezes por ser médicos também... se calhar porque ninguém nos entende tão bem), quando um deles, estimado amigo pediatra, me diz – Tu és a minha influencer preferida. Fiquei a olhar para ele, e ri-me. Influencer, eu? Não, credo! Mas depois vim para casa a pensar no que ele tinha dito, na minha própria reação (assim como se fosse uma infeção má com necessidade de antibioterapia o mais rapidamente possível), e isso obrigou-me a uma grande reflexão.
Em primeiro lugar, começou pela ideia que eu tenho de um influencer. Que é, logo à partida, negativa. Diz a Wikipedia (essa grande fonte de conhecimento universal) que "um influenciador digital é alguém que utiliza uma rede social para expressar análises e influenciar a opinião de outros indivíduos, através de publicações em texto ou vídeo online e que são seguidos por um determinado público". Portanto, um influencer estava nessa altura para mim como uns brincos de argolas estão para umas orelhas. Podem ser giros, e tal, abanam muito se forem grandes e dão nas vistas, mas só servem para enfeitar. O que convenhamos, e aqui reconheço, não é assim muito simpático, mas não tenho a obrigação de ser simpática sempre, não é? E não me interpretem mal, a verdade é que eu nunca quis uns brincos de argolas desses para mim.
Antes da pandemia, utilizava um pouco o Facebook de uma forma estritamente pessoal, mas com o início da mesma, muita coisa mudou. Primeiro, com a criação de um perfil para uso profissional que me permitiu chegar mais facilmente ao contacto com as famílias que eu seguia. Automaticamente, o feed de notícias que me começou a aparecer não tinha nada a ver com o que aparecia anteriormente, o que tem toda a lógica. Anteriormente o meu feed era preenchido largamente por publicações de amigos (e “conhecidos”) muito em linha com as minhas visões (sociais, políticas), embora lá ocasionalmente surgisse a bela da publicação que me podia fazer rir mais um bocadinho, mas de repente, brotaram publicações (assim tipo cogumelos) com o curar a alma pelos números, o sentido da vida pelas cartas, o glúten é o pior inimigo da humanidade e faz-nos a todos doentes portanto 'bora lá eliminá-lo da dieta (não se sabe sequer o que é o glúten, mas que é que isso importa?) , viva a aromaterapia e o óleo essencial de eucalipto para ajudar nas criancinhas que estão ranhosas e com tosse no inverno (ah, não sabiam que o eucalipto é completamente desaconselhado nas crianças por poder desencadear reações alérgicas graves com potencial desfecho fatal, mas isso são pormenores, aliás, nós quando éramos pequenos fizemos muitos vapores de eucalipto e ainda cá estamos, portanto só pode ser uma cabala contra o eucalipto lançada por pessoas que não querem que se plante eucaliptos). E isto era só o Facebook... e eu considero-me alguém com um grau de instrução elevado, com uma formação técnica e científica de muitos anos que me vai conseguindo fazer olhar com ar (mais ou menos) crítico para as publicações que vão surgindo. Depois veio o Instagram. Sem medo, pensei, porque afinal o Facebook “é para velhos” (lamento, leitores, isto foi-me dito exactamente assim por uma adolescente em consulta, por isso, se só têm perfil do Facebook, o mais certo é que já estejam com os pés para a cova...). Logo ali na consulta a jovem criou o meu perfil de Instagram, e eu depois vim para casa tentar perceber esse admirável mundo novo que se abria à minha frente. Logo à cabeça, sugeriam-me escolher contas para “seguir”. Umas faziam mais sentido para mim (alguns artistas musicais, humoristas, jornais, páginas de humor – oh se eu gosto de me rir...) mas depois apareciam-me lá pelo meio algumas figuras que encaixavam na minha visão da influencer das argolas. No início até foi engraçado e tal, até porque era novidade, e não faz mal a ninguém ver uma figura pública defender para o rabinho do seu bebé uma marca de toalhitas dentro das 300 que há no mercado (mas atenção, não foi SÓ derivado da parte comercial, a figura pública acredita veementemente na importância da combinação de aloé vera com a ausência de perfume para o bem cuidar da pele sensível do bebé). Isto para mim não tem grande mal, afinal, uma toalhita no rabo não mata ninguém, tenha mais ou menos aloé vera. Sim, é certo, pode causar um grande eritema da fralda, mas nada que não passe com uma ou duas pomadas. Mas isto foi só o princípio, porque atrás das toalhitas para o rabo escondiam-se outras influências que podem parecer que não têm consequências graves, mas em que existe essa possibilidade. Um influencer pode ter uma quantidade brutal de seguidores. Seguidores estes que são atraídos pela popularidade, pelo estilo de vida “saudável”, pelas bonitas imagens de famílias perfeitas, corpos irrepreensíveis... E não arca com nenhuma responsabilidade dos conteúdos que lá coloca (oh, bom, existe uma espécie de, como é que é, respeito pelos padrões da comunidade no Facebook, e conteúdo impróprio no Instagram. Sim, parece que há isso, mas a aplicabilidade a este tipo de situações é nula.) Portanto, se eu tiver a bela da celebridade a publicar a fotografia da sua criança linda e maravilhosa com um colar de âmbar para a proteger do desconforto inaceitável dos primeiros dentes (cruz credo! Que coisa horrível que o destino havia de colocar às nossas crianças – o nascimento de dentes...) vou ter um aumento do mercado dos colares de âmbar. Ótimo para os vendedores de colares de âmbar, péssimo para as crianças. Os colares de âmbar têm o risco potencial de, caso as peças se separem, poder causar engasgamento e morte em crianças pequenas. Mas alguém pensou nisso ao publicar essa imagem? Não, não pensou. Tem responsabilidade por isso? Não, não tem. Mas está a influenciar de uma forma que pode ter consequências muito graves para as famílias. Eu aqui quero acreditar que esta influência é pautada pelo desconhecimento, e não propositadamente, mas não deixa de ter impacto em saúde. E se estamos aqui a falar de produtos, podemos ainda falar de estilo de vida e saúde... que no caso de serem adotados por adultos eles lá sabem da sua vida (são maiores, e espero eu, vacinados), mas quando chega a crianças, alto lá e pára o baile, que elas ainda não têm a possibilidade de tomar as suas próprias decisões em saúde, são os pais (ou cuidadores) que supostamente zelam pelo melhor interesse delas. E, caríssimos, retirar a lactose, o glúten, e sei lá bem mais o quê, sem indicação para tal, pode ser levar a um risco nutricional inaceitável, principalmente numa fase de intenso crescimento e desenvolvimento. Portanto, temos influencers que, dando conta disso ou não, funcionam como “exemplo” para uma grande franja de população, não existindo de ambas as partes por vezes, infelizmente, o discernimento e a capacidade crítica para perceber qual o potencial efeito nefasto que isso possa ter na saúde das nossas crianças.
E isto leva-me a regressar ao ponto de partida, da noção de que eu seria uma influencer. E quanto a isto, tenho mais uma pequena ideia a juntar. Recentemente um humorista que sigo no Instagram (António Raminhos, neste caso), colocou uma publicação “Sobre o meu valor” em que referia “se o ego prefere que sejas visto, o coração diz que o importante não é falar para toda a gente, mas para quem nos quer ouvir”. E mais à frente, dizia ainda “qualquer que seja o vosso trabalho, área, talento, caminho, não o desvalorizem porque ele não tem apenas impacto em vocês. Se, de algum modo, a vossa simpatia, ajuda, dedicação mudar a vida de alguém é um dia ganho.” - E nesta altura, isto fez mesmo muito sentido para mim. Porque sim, mesmo com poucos seguidores, quer no Facebook, quer no Instagram, quer no meu blog, os meus conteúdos vão ser lidos ou vistos por quem me quer ler ou ver. E é unicamente para comigo e para com esses que tenho uma responsabilidade. E se ao fim do dia, conseguir trazer para estas pessoas um pouco de boa informação, de qualidade e fonte reconhecida, então já terá valido a pena. Por isso, sim, declaro-me como influencer (mas, espero eu, sem argolas). Obrigada a todos os que acreditam em mim, e continuam a ler-me e a ver-me por estes dias.
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