Hoje falo só para ti. Sem te nomear, sei que vais saber que é a ti que me dirijo. Mas já não tenho outra forma de te chegar. Vi a tua barriga crescer, ouvi o amor que carregava as palavras com as quais partilhaste que estavas grávida primeiro ao teu companheiro, e depois gritando para o mundo inteiro. Que alegria saber que o teu bebé crescia forte e saudável, dia após dia. Que o teu útero era uma fonte de vida, forte na missão que chamaste a mais importante da tua vida. Apanhei-te por diversas vezes com a mão no teu ventre, como se com as pontas dos teus dedos pudesses acariciar um pequeno rosto, e adivinhar já então um sorriso. Caminhavas nas nuvens, parecia não haver gravidade quando sentias um pontapé, rias baixinho só para ti durante a noite com os soluços amplificados naquele momento de paz que só a escuridão consegue trazer. Escolheste diligentemente todo um enxoval, planeaste ao pormenor cada centímetro de um quarto onde o teu bebé encontraria um mundo onde juraste que farias o melhor para o proteger. Dia após dia, em ti crescia a ânsia de o conhecer.
Chega enfim o momento esperado. Conheço-te bem, vislumbrei um segundo de surpresa quando foste inundada pela dor. Uma pequena centelha de dúvida, logo abafada pela imagem que projetaste do teu bebé finalmente nos teus braços. Cerraste os olhos com força, e mais uma vez assumiste o papel que tu de ti esperavas, e no qual sabias não ter margem para falhar. Na derradeira contração, balbuciaste “meu filho”, como se com isso pudesses selar ainda mais o vosso elo, de um amor inevitável e absoluto.
Fecha-se um capítulo. E sem saberes precisar bem nem quando nem porquê, dei por ti a sentires-te vazia, como se de mais do que o teu bebé te tivessem despojado. Aprendi a reconhecer o calor que te queimava por dentro, a dúvida negra que assombrava o teu olhar quando o teu bebé começava a chorar. O pânico de aquele choro não parar. Apesar de nunca estares sozinha, vi-te a seres engolida pela solidão da incompreensão. Espreitei-te a fugir para a casa de banho, engolindo o ar como se te custasse a respirar, lágrimas brotando de olhos que outrora eram apenas esperança. À noite, senti-te a implorar para que enfim com o fechar das pálpebras o sono se instalasse, e todo o negro levasse. Nada disto te fazia sentido, como é que tinhas chegado a este ponto? Quando fora de ti, te gabavam pelo bebé lindo e sadio que entregaras ao mundo, mas te sentias incapaz de comer, de te lavar, de dormir, e de ti gostar. Encontrei-te dilacerada entre o desejar que tudo isto alguém veja, e tudo isto a ninguém seja visível. Afogaste-te na ideia que não serves para mãe. Que és incapaz de responder às necessidades mais básicas do teu bebé perfeito. E marcas as horas, os minutos, e os segundos que faltam para o derradeiro momento em que enfim ficarás só, tu imperfeita, com ele.
Agora falo para ti, e pretendo que me ouças. O que tu tens, conhece um nome. Chama-se depressão pós-parto. Não, não é seres mais fraca do que as outras mães. Não, não é seres pior do que as outras mães. E não, não tens que ultrapassar isto sozinha. Até porque não estás sozinha. Sabias que 1 em cada 10 mulheres passa pelo que estás a passar agora? Não te percas a pensar na razão, mas antes acredita que há solução. Abre-te com alguém com quem tenhas confiança, diz apenas que precisas de ajuda. Todos nós, em alguma altura da nossa vida, precisamos de ajuda. E agora é a tua vez.
O teu médico de família, o médico que te seguiu durante a gravidez, ou o médico que segue agora o teu bebé estão preparados para te ajudar em mais esta altura, menos boa, da tua vida.
Por isso, se reconheceres em ti algum dos pontos seguintes, procura ajuda especializada:
- Humor deprimido: se te sentes muitas vezes ou sempre triste, desesperada, sem esperança; se choras frequentemente ou sem conseguires parar;
- Perda de interesse ou prazer nas atividades: se perdeste a vontade de fazer tudo ou quase tudo o que gostavas antigamente; se sentes que já nada tem importância;
- Alterações importantes no peso e/ou apetite: se não tens apetite, ou pelo contrário, se comes compulsivamente sem te conseguir controlar;
- Perturbação do sono: nesta fase, é habitual ter alguma privação do sono, e ninguém se sente bem quando não dorme. Mas se sentes que não consegues adormecer repetidamente, se adormeces mas acordas durante a noite e és incapaz de voltar a adormecer, se dormes mas sentes que não descansas e acordas mais cansada;
- Cansaço e perda marcada da energia: se te sentes sempre cansada, ou exausta, se tens dificuldade em iniciar ou manter uma atividade;
- Alterações de memória, incapacidade de te concentrares, incapacidade de decidires;
Amanhã, dia 10 de outubro, é o Dia Mundial da Saúde Mental. Mas hoje é o dia de TU cuidares da tua. E eu sei que vais conseguir. Estende a tua mão, para que uma outra se possa estender para a tua. E acredita, vais ficar bem.
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